A Grécia não respeita nenhum ultimato de Merkel. No Eurogrupo, o novo ministro das Finanças grego, Euclid Tsakalotos, levou apenas umas notas a lápis, e, no Conselho Europeu, Alexis Tsipras não tinha nenhum projecto para apresentar. Por seu lado, o Conselho Europeu deu, na última terça-feira, mais uma última chance. Desta vez foi o próprio presidente do Conselho a dar o deadline final à Grécia.
A Europa germanófila, prevendo que os gregos liderados pelo Syriza só ficarão no euro se conseguirem razoáveis condições de crescimento e a sustentabilidade da dívida – pois é claro que a Grécia estará sempre melhor fora do euro que dentro, apesar dos constrangimentos que passará nos primeiros tempos com a introdução de uma moeda nova –, já tem em preparação um “plano detalhado para a saída da Grécia”, conforme anunciou o presidente da Comissão Europeia, Jean Claude Juncker. Um plano que pretende reduzir os danos de credibilidade do euro e dos seus mecanismos de solidariedade, mas que deixam a nu que o incumprimento dos Estados arrasta a falência da banca e que os países sujeitos à austeridade não conseguem, neste contexto, recuperar do desastre social provocado pela troika.
É claro que o governo grego quer ficar na Eurozona, mas não vai ceder à dureza dos tecnocratas europeus, sabe o CONFIDENCIAL, depois de um referendo expressivo e de um acordo com a oposição. A Grécia não quer ficar no euro se não ficar garantida uma nova política financeira europeia orientada para o investimento e que não beneficie apenas a Alemanha. Algo que implica ainda a renegociação da dívida grega, o que Passos Coelho e Raroy não aceitam antes das eleições do Outono.
Entretanto, o Banco Central Europeu cortou a liquidez ao país, pois não acredita num acordo e não quer ficar com um problema ainda maior, depois de ter falhado aquilo que Yanis Varoufakis, o carismático ex-ministro das Finanças da Grécia, classificou de “chantagem do BCE”, que obrigou à reintrodução de controlos cambiais.
Na Europa cresce a compaixão com os gregos, e dos EUA vem a pressão para a Europa se entender. Mas os 28 não vão dar mais do que a última proposta, ainda que prometam para depois de Outubro – depois das eleições portuguesas e das espanholas – a renegociação da dívida, com novos prazos, redução do capital e da taxa de juros.
Uma situação definitivamente delicada para a diplomacia interna europeia, que não consegue lidar com a inflexibilidade grega, que parece pouco ter a perder em qualquer dos casos. Esta falta de moderação na estratégia negocial dos gregos, verdadeiramente a chantagem grega – apoiada na sua posição geoestratégica de força e na exigência americana de um entendimento – empurra a Eurozona para o suicídio político, pois vai mostrar a sua fragilidade interna e, sobretudo, rompe a unanimidade dos líderes das economias mais fragilizadas da Eurozona.
E o que falta saber diante de uma saída definitiva ou provisória da Grécia da Zona Euro é se isso não significará a curto prazo o colapso do euro e depois da própria União Europeia.
Gregos rejeitam ultimatos alemães
Esta segunda-feira, e mais uma vez, o governo grego não respeitou o ultimato de Bruxelas ou do eixo franco-alemão. Estarão a jogar até ao último momento, constatando que a Europa ainda não percebeu que o seu jogo está definitivamente perdido. Para os gregos, ou há uma solução de médio prazo com uma dívida sustentável e a economia a crescer, ou não vale a pena estar no euro, esse novo-riquismo pós-moderno que apenas beneficia a Alemanha e empobrece o resto da Europa.
Enquanto o Eurogrupo e o Conselho Europeu alinham por Merkel na defesa da austeridade imposta à Europa por Barroso, Merkel e Sarkozy (em 2009) musculam a sua posição, dando um novo ultimato até sexta-feira, para ser discutido no Conselho Europeu de domingo um novo programa proposto pelos gregos – ao mesmo tempo que faz saber que as instituições da antiga troika não aceitam nada menos que o “generoso programa proposto há 15 dias antes do referendo”, segundo palavras da própria chanceler alemã, Angela Merkel (CDU), o governo grego evita a euforia, mas não vai ceder e não exige apenas o fim das medidas de austeridade, como ainda quer a renegociação da dívida grega, algo de impossível de aceitar pelo Partido Popular Europeu por causa das eleições portuguesas e espanholas, onde os actuais primeiros-ministros ficariam numa situação eleitoral complicada.
A estratégia dos parceiros do euro foi a de aumentar a pressão sobre o primeiro-ministro grego Alexis Tsipras. Já não “temos mais semanas (…), mas apenas alguns dias”, disse a chanceler alemã, antes da cimeira extraordinária dos países da Zona Euro na terça-feira, em Bruxelas.
Os líderes da Zona Euro deixaram claro, antes da reunião de Bruxelas, que não há tempo a perder, a fim de preservar o país da falência e de ter que deixar a área do euro. Merkel ressaltou que a Grécia deve aplicar as reformas, a fim de obter um novo auxílio, que poderá chegar aos 50 mil milhões para os próximos três anos. Desempenho e recompensa fazem parte do pacote.
Fundo da Zona Euro já recebeu pedido de resgate da Grécia
Entretanto, o fundo de resgate da Zona Euro já recebeu o pedido formal da Grécia de um terceiro programa de ajuda financeira, cumprindo-se assim a primeira exigência do Conselho Europeu.
Apesar de na terça-feira o presidente do Eurogrupo, Jeroen Dijsselbloem, ter dito que – após esse pedido chegar ao Mecanismo Europeu de Estabilidade – seria convocada “de imediato” uma reunião por teleconferência dos ministros das Finanças da Zona Euro, para ser dado início ao processo de avaliação desse pedido, o que acabou por acontecer foi apenas uma reunião, na quarta-feira, do grupo de trabalho do Eurogrupo, composto pelos “números 2” dos ministérios das Finanças.
Para obter a nova ajuda, o executivo liderado por Alexis Tsipras tem ainda de apresentar até quinta-feira à noite, ou sexta-feira de manhã, propostas concretas de reformas que está disposto a executar em troca do novo pacote financeiro.
Essas medidas serão avaliadas pela Comissão Europeia, Banco Central Europeu e Fundo Monetário Internacional para ver da sua credibilidade.
Tudo isto deverá acontecer até domingo, quando está já marcada uma nova cimeira, naquele que se considera ser o verdadeiro “Dia D” para a Grécia. “Temos cinco dias para chegar a um acordo definitivo. Tenho de dizer alto e bom som que o prazo final é esta semana”, disse terça-feira o presidente do Conselho Europeu, Donald Tusk.
Já o presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, admitiu pela primeira vez que o executivo comunitário tem um “cenário de ‘Grexit’ preparado em detalhe”.
Se houver um acordo até domingo quanto às medidas a adoptar pela Grécia em troca de novas medidas, haverá uma cimeira só da Zona Euro, para dar o apoio político a um terceiro resgate à Grécia.
Se não houver acordo, haverá uma cimeira com os chefes de Estado e de Governo dos 28 países da União Europeia, neste caso para avaliar as consequências no espaço comunitário de um “Grexit” e preparar um plano de ajuda humanitária a Atenas.
Ministros das Finanças de acordo com um terceiro pacote de ajuda
Contudo, aquando da reunião dos ministros das Finanças do Eurogrupo, também ficou claro que a saída de um Estado sobreendividado da zona do euro já não é tabu. O vice-presidente da Comissão da UE, Valdis Dombrovskis, disse mesmo que “se a confiança não é reconstruída, se não houver nenhum pacote credível de reformas, não se pode excluir o Grexit”. No entanto, este não era o objectivo da Comissão Europeia.
Recorde-se que Tsipras tinha apresentado, na última semana antes do referendo, uma carta com o pedido de assistência ao ESM no montante de 29 mil milhões de euros. Este pedido deve ser revisto, porque, entretanto, os bancos estiveram fechados e aplicaram controlos de capital. Por isso, a economia está num estado muito pior do que era há uma semana.
Propostas iniciais de Atenas aos ministros das Finanças
O presidente francês, François Hollande, manifestou já a sua oposição à saída da Grécia da Zona Euro. Atenas já fez as primeiras propostas ao grupo dos ministros das Finanças – estas teriam de ser ainda clarificadas e confirmadas. “É preciso velocidade, o que significa que as decisões devem ser tomadas no prazo de uma semana”, disse o chefe de Estado.
Imediatamente antes da cimeira, reuniram-se Angela Merkel, Hollande e o presidente da Comissão da União Europeia, Jean-Claude Juncker, com Tsipras.
Tsipras foi depois na quarta-feira a um debate no Parlamento Europeu, em Estrasburgo. Mas em todos os fóruns os gregos exigem um corte na dívida, pois é insustentável. E a resposta tem vindo pela boca do ministro das Finanças alemão, Wolfgang Schäuble (CDU): “Aqueles que conhecem os tratados europeus, sabem que um corte da dívida está abrangido pela proibição de resgate.” A proibição de resgate significa que os países do euro não estão autorizados a pagar dívidas dos outros.
O tempo está a esgotar-se na ajuda à Grécia: bancos estão fechados há mais de uma semana, o dinheiro deve ser suficiente para apenas alguns dias. A 20 de Julho, Atenas tem de pagar 3,5 mil milhões de euros para o Banco Central Europeu (BCE), a fim de saldar obrigações de dívida pública em atraso. O Fundo Monetário Internacional estima que, para se manter no euro, a Grécia necessita de pelo menos 52 mil milhões. Mas este dinheiro não chegará sem novas reformas, o que os gregos dificilmente aceitarão.
Introdução de uma moeda paralela
Com este cenário presente, começa a ser cada vez mais plausível que, no próximo domingo, nada ficará decidido e que a Grécia entrará mesmo em default. E esta situação nova leva-nos a equacionar os cenários possíveis para a própria Grécia em face da escassez de meios. A solução que os gregos estarão a equacionar poderia ser a que usou a Califórnia, quando entrou em falência. Atenas poderia introduzir IOUs, como moeda paralela. Mas a medida implicaria riscos – não apenas económicos.
Se o Grexit acontecer, a despedida da Grécia do euro, mesmo que provisória, pode levar a uma mudança política na própria Grécia, acredita-se em Bruxelas. A troca de moeda, como a mudança para as notas e moedas para o euro em 2002, requereu anos de preparação. E tempo é o que não tem o governo de Alexis Tsipras, depois do voto “Não” no referendo. Nas próximas semanas, com a provável deficiência do euro, Atenas pode ser forçada a imprimir o seu próprio dinheiro.
A Grécia poderia tentar seguir o exemplo do estado da Califórnia na época da crise financeira em 2009, e emitir notas promissórias, com as quais pagaria as suas contas. Na situação actual, é provável que Atenas comece a emitir esses títulos, criando uma espécie de moeda paralela proporcional.
A falta de liquidez poderia ser superada com essas notas promissórias, mas com o risco político de uma avalancha de acontecimentos internos e externos, que os próprios gregos do Syriza podem não controlar.
Criação de uma moeda paralela virtual imediatamente
Os cenários de criação de moedas paralelas já circulam há algum tempo. Mas eles nunca foram tão explícitos como para a campanha do “Não” no referendo grego. O coordenador do Instituto Ifo de Munique, Hans-Werner Sinn, pediu no início desta semana a criação de uma segunda moeda digital para a Grécia: “O dracma deve ser imediatamente introduzido como moeda virtual”, explicou em Munique. Para transacções em dinheiro, os gregos devem continuar a fazer uso das notas de euro. Numa fase posterior, em seguida, um retorno ao euro, à taxa reduzida de câmbio, seria possível.
Mesmo Thomas Mayer, ex-economista-chefe do Deutsche Bank, desenvolveu há algum tempo um plano para uma moeda paralela, a que chamou de “geuro”, e que já apresentou a Tsipras. E até mesmo o agora demitido ministro das Finanças grego, Janis Varoufakis, escreveu, no seu blog, uma espécie de jogo com um dracma digital que não estaria sujeito aos ditames da “austeridade”.
A saída completa do euro nos próximos dias ou semanas é, contudo, improvável. Em vez disso, vai ter de haver esforços finais de negociação, enquanto o Banco Central Europeu irá manter o país sobre os infamantes empréstimos de emergência (ELA) à tona.
O BCE não sente qualquer desejo de se colocar à frente do processo político, enquanto houver negociações entre o governo grego e a Zona Euro. Por isso não se espera que o BCE corte completamente os empréstimos de emergência, pois isso significaria a saída da Grécia da Zona Euro. Mas a escassez de recursos será evidente, se não houver acordo no domingo.
E neste cenário, parece evidente que o Governo grego deverá fazer todos os esforços para permanecer na zona do euro, porque sabe as vastas dificuldades logísticas associadas com a introdução de uma nova moeda. Aliás, não existe maneira legal (nos Tratados) de expulsar os gregos da União Económica e Monetária. Os gregos podem, como vimos, imprimir moeda. Só que isso seria ilegal, embora a curto prazo pudesse ser eficaz para prevenir a revolta dos pensionistas.
A literatura académica reconhece várias formas de moeda paralela, algumas das quais são títulos que são compensados pelo futuro serviço da dívida de um Estado. Como dissemos, um exemplo foi o caso da Califórnia na última crise financeira.
IOUs como moeda paralela
Em Julho de 2009, o estado da Califórnia emitiu os chamados US IOU para pagar aos funcionários públicos num período de crise orçamental aguda. Os papéis foram sujeitos a juros a 3,75%, para torná-los mais atraentes. A Grécia poderia tentar algo semelhante na situação actual.
O governo em Atenas poderia, por exemplo, pagar uma parte dos salários e pensões dos funcionários públicos, digamos 30%, em notas promissórias e o restante em euros. Poderia ainda pagar aos fornecedores desse modo. Os bancos creditá-los-iam em contas especiais de IOUs. Estas notas promissórias poderiam servir para pagar, por exemplo, até um montante determinado de algum imposto e teriam validade apenas no território da República Helénica.
Na Califórnia funcionou. Como o estado norte-americano tinha que superar os estrangulamentos financeiros de 2009, depois de algumas semanas, emitiu os IOU com um volume de dois mil milhões de dólares fora de circulação do dólar.
Porém, para os gregos, o tiro poderá sair pela culatra. A criação de uma moeda paralela traz riscos políticos e económicos. Mesmo legalmente, o assunto é delicado. Apesar de todos os esforços para seguir o exemplo californiano, as coisas na Grécia poderão correr muito pior, e até mesmo fora de controlo do ponto de vista social.
Risco de inflação desenfreada
A introdução de uma nova moeda pode facilmente levar a uma inflação elevada, especialmente num período de caos económico em que os governantes, acima de tudo, querem apenas assegurar a sobrevivência. Nos anos vinte, a questão maciça de emissão de moeda levou a uma desvalorização de dinheiro, que eventualmente entrou em erupção na Grande Inflação de 1923 e permitiu a instalação do III Reich.
Não é muito melhor o que aconteceu à Argentina. A introdução de nova moeda resultou na perda do seu valor rapidamente na crise de 2001-02. O país sul-americano também é um sinal de alerta de que a moeda de um país, com gestão financeira pouco consistente, pode ficar destruída, mesmo após a conversão de moeda. Desde a falência do Estado de 2001, o peso desvalorizou face ao dólar e ao euro em cerca de 90%.
Mas é certo que a situação grega é diversa da californiana. A Califórnia nunca teve um problema de competitividade externa, mas um problema político de impasse entre republicanos e democratas. No caso grego, o défice de tesouraria deve-se à evasão fiscal e ao facto da queda do preço do petróleo ter feito cair também o preço dos fretes dos navios, a principal actividade económica grega, especialmente sediada em paraísos fiscais. Uma perda de competitividade agravada pelas políticas deflacionistas da troika e pela ausência de reformas estruturais.
Por outro lado, uma vez que o euro permanecerá em curso legal na Grécia, a disposição do sector privado para aceitar os IOUs poderia ser baixa. Um fiasco destes experimentou, por exemplo, a província canadiana de Alberta, em 1936 e 1937.
BCE poderia explicar uma moeda paralela como contrafacção
Em qualquer caso, muitos economistas questionaram se o IOU grego teria efeitos palpáveis na população. Como o Estado está sob grave ameaça de falência, as pessoas dificilmente aceitam IOUs para substituir dinheiro. Além disso, o Estado não teria euros para recapitalizar os bancos, que iriam à falência arrastando consigo as poupanças das pessoas.
Dado o rating de crédito da Grécia, os IOUs só poderiam funcionar se fossem “securitizados”, ou seja, tivessem uma contragarantia, por exemplo, em imóveis ou outra, acima de quaisquer outras. É improvável, contudo, que o governo socialista de Alexis Tsipras esteja pronto para dar essas garantias.
Finalmente, um risco legal existe também: o artigo 128º do Tratado UE estabelece que, emitido pelo BCE e pelos bancos centrais nacionais, a única moeda com curso legal na Zona Euro é o euro. Juridicamente falando, o Banco da Grécia será, portanto, membro do BCE, e por isso os IOUs seriam sempre dinheiro falso.
Portugal e Espanha são os próximos?
Mas não é apenas a Grécia que está em causa. A falta de credibilidade da Zona Euro, depois de uma eventual saída ou default da Grécia, compromete a prazo a confiança na moeda e estariam criadas as condições perfeitas para que os bancos centrais de todo o mundo abandonassem o euro como moeda de reserva. Seria o começo do fim. O euro sem a Grécia deixaria de fazer sentido e, finalmente depois, a própria União Europeia sem o euro teria os seus dias contados.
Os limites da União Monetária devem ser redesenhados, para não se correr o risco da explosão da zona, caindo a seguir Portugal, a Espanha e finalmente toda a própria zona monetária.