A postura que o resto da Europa assumir na questão britânica será crítica para o resultado no referendo sobre a União Europeia, no Reino Unido
Detalhes sobre o referendo no Reino Unido à sua continuação na União Europeia foram publicadocs em 28 de Maio. Uma grande parte da atenção tem sido orientada para o impacto que o eventual Brexit (saída da EU) teria para o Reino Unido, mas é igualmente importante o papel que os restantes países europeus irão desempenhar na campanha, sobretudo tendo em conta a intenção de David Cameron em garantir uma renegociação dos termos da integração da Grã-Bretanha. Apesar de o reconhecimento de que uma saída do Reino Unido da UE teria um impacto significativo no projeto de integração como um todo, os governos europeus continuam relutantes em fazer concessões ao Reino Unido.
A publicação da Lei do Referendo UE em 28 de Maio, marcou o início do processo parlamentar para dar ao povo britânico a possibilidade de decidir o futuro das relações UE-Reino Unido. Ao mesmo tempo, David Cameron visitou várias capitais europeias tentando angariar apoio para uma renegociação antes de qualquer referendo.
A resposta dos parceiros da UE às suas propostas será crucial para o debate na Grã-Bretanha, não só para moldar a escolha a fazer pelo povo britânico, mas também para se definir o futuro da Europa de forma mais ampla. Afinal, não é apenas o Reino Unido que enfrenta uma escolha. Usando uma expressão do presidente dos Estados Unidos Lyndon Johnson, “a UE tem agora de decidir se quer o Reino Unido dentro da barraca, urinando para fora da UE, ou fora da barraca, urinando na UE”.
Pensamento europeu
Para Cameron, o projecto de lei do referendo cumpre o compromisso que fez, em Janeiro de 2013, e que tem o apoio quase total do Partido Conservador. Já houve uma avalanche de análises, especulações e debates sobre o que um Brexit significaria para o Reino Unido.
Goste-se ou não, a Europa em breve vai ver os cidadãos de um dos seus maiores Estados a debater se devem ou não travar a principal organização de cooperação e unidade pan-europeia. As implicações para a UE têm sido menos tratadas pela imprensa. Houve apenas um par de relatórios – SWP, DGAP, ECFR, Bertelssmann, Open Europe – a analisar o tema e o seu significado para a UE. Cada um varia em tamanho, foco e detalhes.
Esperanças e medos
Na Grã-Bretanha espera-se que um debate aberto sobre a Europa possa lancetar o “furúnculo político apodrecido em que a Europa se tornou”. Pode proporcionar um novo começo. Um voto de sucesso também poderá quebrar o medo de referendos da Europa, mostrando que os cidadãos dos Estados-membros podem e devem ser envolvidos directamente na discussão do futuro da Europa e da participação dos seus países.
No entanto, a Grã-Bretanha não é o único país a ter um relacionamento difícil com a UE. No Reino Unido o voto crítico é considerado uma possibilidade realista, mas alguns temem que os britânicos estejam prestes a desencadear um efeito dominó, que trará o caos à União, através de mais referendos. O resultado poderia ser um enfraquecimento lento da União.
Mesmo que o Reino Unido vote para permanecer na UE, a questão europeia na política britânica não ficará resolvida. Em vez de limpar a política britânica de um debate venenoso, a votação poderia ser apenas um placebo. A questão europeia na política britânica segue o caminho de muitos outros problemas e questões que moldam o Reino Unido actualmente.
Dentro ou fora da UE, o Reino Unido continuará a ser, como Stephen George uma vez descreveu, “um parceiro estranho ‘. Como qualquer historiador das relações UK-UE sabe, mesmo estando a Grã-Bretanha dentro da EU, isso não a impediu de continuar a “urinar” para o seu interior, em vez de para fora. O resto da Europa deve esperar a manutenção dos tempos difíceis que se avizinham. Por isso há quem se pergunte se não seria melhor banir a Grã-Bretanha de vez?
Perguntas embaraçosas
O resto da UE desempenhará um papel central na decisão de a Grã-Bretanha ficar ou sair. Aqueles que no Reino Unido defendem a saída seriam mais apoiados por uma UE obstrucionista, que se recuse a renegociar os puttings outs. Esta seria uma “expulsão passiva”, a UE estaria fazendo pouco para manter a Grã-Bretanha.
Para chegar a uma decisão, o resto da UE terá de considerar três questões. Em primeiro lugar, qual poderá ser o custo económico para a UE das relações comerciais possíveis que se seguiriam a um Brexit? Um Reino Unido no exterior seria o maior parceiro comercial da UE. Será que algum acordo especial seria oferecido ao Reino Unido, ou esse risco complicaria as relações com outros Estados não membros da UE, para não falar da sustentabilidade do próprio mercado único? Não se deve esquecer que a Europa é acampamento, em que a maior tenda, a da UE está cercada e conectada a tendas menores, como as da EFTA e do EEE.
Em segundo lugar, como é que as relações do Reino Unido com a UE sobre questões de segurança e de defesa, devem ser articuladas? É que o Reino Unido não vai sair da aliança transatlântica da NATO, que articula com a política de defesa europeia.
Em terceiro lugar, que benefícios adviriam para a restante Europa da saída britânica? Ou haveria pouco benefício? Será o custo partilhado por todos, enfraquecendo os valores e o racional da integração europeia? Será que isso, de seguida, levará ao colapso da UE?
Procurando respostas
O trabalho ideológico sobre a Europa está a ser feito em todos os Estados membros. É evidente que a posição da Alemanha é fulcral. Mas a dos outros países não deve ser menosprezada. No passado, Cameron fez o erro de assumir que todas as decisões eram tomadas em Berlim. Exagerou o poder da Alemanha, até porque todas as decisões são feitas pela Alemanha com vista às mais amplas políticas europeias e as relações não se circunscrevem apenas a relações bilaterais com o Reino Unido.
Em Setembro de 2014, a DGAP publicou um relatório composto por 26 pontos sobre o Brexit, escrito por investigadores de Centros de Investigação e Universidades de dezasseis Estados-membros da UE, nove países não pertencentes à UE, e de uma das instituições da UE em Bruxelas. As suas conclusões foram claras: enquanto há simpatia por algumas das frustrações do Reino Unido sobre a UE, há igualmente uma grande quantidade de frustração com a atitude do Reino Unido em relação à UE e aos outros Estados-membros. Como a contribuição holandesa evocava, a Grã-Bretanha sofre de uma sensação de ‘vitimização narcisista’ – de acreditar que só ela sofre com as falhas da UE e só ela sabe o caminho a seguir.
Há espaço para o compromisso, mas a renegociação e, em seguida o referendo – qualquer que seja o resultado -, vão deixar ambos os lados a gerir uma relação particularmente estranha.
É exactamente a pensar nisso que Passos Coelho avançou com uma proposta de reforma da União Europeia, mais uma vez optando por um alinhamento continental e federalista, e pela rejeição da opção marítima, mais nacionalista.
Esta opção germanófila vem, na Terceira República Portuguesa, da herança cavaquista que se distanciou dos EUA e do Reino Unido, para alinhar pela “estratégia do bom aluno de Bruxelas”. Passos avançará com a sua já no Conselho Europeu de 25 e 26 de Junho, definindo o aprofundamento da União Bancária e a criação do um mercado de capitais único, instrumento para o combate aos preços de transferência e critico para o passo seguinte da integração orçamental europeia, defendida por Lisboa.
Durão Barroso rompe com o “Portugal Velho”
Na véspera de assumir um lugar executivo no Clube de Bilderberg, o antigo primeiro-ministro de Portugal e ex-presidente da Comissão Europeia, Durão Barroso, parece romper com a tradição da Terceira República, que Passos Coelho ainda protagoniza, e voltar ao alinhamento atlântico de Portugal, numa postura de Portugal novo contra o “Velho Portugal subserviente e bom aluno”, que foi empurrado para a falência por não ter a coragem de assumir interesses próprios relevantes e vitais para o seu sucesso como Estado. Foi isso mesmo que Barroso foi dizer nas Conferências do Estoril, colocando o dedo numa questão que sempre dividiu o País: o Portugal Novo e mais nacionalista, contra o Portugal Velho, dos interesses corruptos e dos poderes fácticos; o Estado da subserviência à Europa ou o da defesa consciente dos interesses portugueses no contexto da própria Europa.