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Depois dos ataques a Paris na sexta-feira, 13, muita gente exigiu que se elaborassem estratégias mais precisas para combater o Estado Islâmico, ou EI, que reivindicou a responsabilidade pelos atentados. Para alguns observadores, a resposta deve ser a guerra total feita mediante cooperação internacional bem orquestrada, com o propósito de destruir o EI e desmoralizar os seus partidários. Outros dizem que as potências ocidentais devem reavaliar os seus aliados, pressionar a Arábia Saudita, para que deixe de propagar a sua doutrina wahabbista, que espalha as sementes do islão jihadista, e planeiem cuidadosamente a reconfiguração do Iraque e da Síria depois da derrota do EI.

“Por quê nós?”, é uma pergunta que os parisienses estão a fazer, angustiados desde os ataques que deixaram pelo menos 130 mortos e 352 pessoas gravemente feridas. “Se estivermos em busca de um símbolo, Paris é um grande símbolo, assim como Nova Iorque, por ocasião dos ataques de 11 de Setembro”, disse Erwann Michel-Kerjan, director executivo do Centro de Gestão de Risco e de Processos de Decisão da Wharton [Risk Management and Decision Processes Center]. Ele acrescentou que a França está geograficamente próxima da Síria – de onde teriam vindo os terroristas – e que o país tem recebido grandes contingentes de imigrantes da Síria, Iraque e outros países conflagrados.

“A França, além disso, faz questão de marcar fortemente sua presença no cenário internacional”, observou Michel-Kerjan. Por fim, a França abriga as maiores populações de muçulmanos e judeus da Europa. Os 6000 simpatizantes do EI no país são “difíceis de rastrear”, disse. Ele acrescentou que os líderes europeus não previram os ataques do EI.

Brendan O’Leary, professor de Ciências Políticas da Universidade da Pensilvânia, propôs uma retaliação contundente que extermine o EI. “Para que o EI seja totalmente destruído, ele deve ser derrotado sobretudo onde é territorialmente forte e de onde tira os seus recursos – não apenas recursos de comunicação, mas também militares, fiscais, a riqueza que acumula em petróleo roubado, etc. -, coisas que ajudam as várias redes que patrocinam. É fundamental que o EI seja destruído e que se pense bem no que irá substituí-lo.”

O’Leary lembrou que o presidente francês François Hollande disse depois dos ataques que a “França será impiedosa” na sua resposta ao EI. “Se o Estado Islâmico se declara um Estado e um califado e declara guerra ao resto do mundo, ele não deve surpreender-se se respondermos com a mesma moeda”, disse.

Plano de acção

Michel-Kerjan tinha receio de que o EI ampliasse os seus ataques. Ele disse que embora o EI tenha demonstrado “uma coordenação sofisticada” nos ataques a Paris, as armas usadas foram simples: rifles, por exemplo. “Se o EI começar a usar bombas sujas [bombas convencionais ‘recheadas’ com lixo nuclear] e pequenos artefactos nucleares, isso teria um impacto muito forte, não apenas na dimensão da ameaça, mas também na esfera dos negócios”, disse.

Michel-Kerjan disse que é preciso um entendimento mais preciso da ameaça que o mundo enfrenta com o EI. Ele observou que enquanto os ataques a Paris provocaram comoção nos EUA, muita gente acha que tais eventos são remotos demais quando ocorrem no Médio Oriente. “Durante anos, deixámos que o EI crescesse e se tornasse o que é hoje”, disse. “O EI tem muito mais poder financeiro do que a Al-Qaeda jamais teve. Quando o EI deixar de ser o que é agora para se tornar uma organização terrorista global, já terá milhares de pessoas prontas para esse momento.” O’Leary acrescentou que a capacidade do EI de usar a internet para recrutar partidários, e também como parte de sua estratégia de comunicações, o distingue de outros grupos.

“O momento actual oferece uma oportunidade fantástica para a cooperação internacional e regional contra o EI”, disse O’Leary. Ele propôs acções que “apertem aqueles que têm sido complacentes com o EI”, salientando que “sauditas, catarianos e turcos têm sido moderados em relação ao EI, embora sob outros aspectos sejam nossos aliados”. Ele esperava que os ataques a Paris convencessem os detentores do poder a dar prioridade à derrota do EI mais do que a deposição do regime de Bashar AL-Assad na Síria.

O’Leary também concorda com observadores segundo os quais os responsáveis pelos ataques a Paris podem ter apresentado identidade síria para entrar na Europa como imigrantes ou refugiados. Para ele, o aumento significativo do número de migrantes não se deve apenas à guerra civil na Síria, mas também ao facto da Turquia ter facilitado a sua entrada na Europa. “Os EUA e a Europa precisam reconsiderar o modo como barganham com o presidente turco Recep Tayyip Erdoğan ― ele tem demonstrado que sabe quando abrir e fechar a torneira da migração”, disse O’Leary. Os ataques a Paris, acrescentou, podem levar a Alemanha a reconsiderar a sua “resposta generosa” à actual crise migratória de refugiados.

O’Leary disse ainda que os EUA deveriam ampliar o seu apoio ao Curdistão. Os curdos são “os únicos aliados confiáveis de facto do Ocidente na luta contra o EI”, disse. O’Leary esteve recentemente no Curdistão onde se reuniu com o primeiro-ministro, Nechirvan Barzani. “É fundamental para o governo curdo repelir o EI e tomar Mosul. É imprescindível também que as forças do Peshmerga (os militares do Curdistão no Iraque) estejam adequadamente armadas, como se fossem efectivamente um Estado soberano.”

Raízes da jihad

“As pessoas pensam que os terroristas são pessoas pobres, sem instrução e todos do sexo masculino. Na verdade, porém, trata-se de um grupo diverso de indivíduos”, disse Michel-Kerjan. O’Leary concordou: “Não se deve imaginar que a razão pela qual alguém se torna jihadista se deve ao facto de ser economicamente marginalizado, explorado ou sem oportunidades. O que importa aqui são as suas convicções e crenças.”

O’Leary remonta essas crenças à ascensão do islão salafista (referência àqueles que morreram nos primeiros 400 anos depois de Maomé), o qual, por sua vez, floresceu devido ao apoio da Arábia Saudita ao wahhabismo (ramo ortodoxo do islão sunita que se desenvolveu no século XVIII e que propõe o retorno ao islão primitivo). Isso não significa necessariamente “que todo o mundo se torna um militante salafista, mas muitos o fazem em quantidade suficiente para criar problemas de segurança para os demais e dificuldades de coexistência religiosa”, ressaltou.

“Temos de ser duros com o islão salafista, duros com o patrocínio que os sauditas lhe dão, e temos de repensar o que podemos fazer para desintegrar, humilhar e destruir o EI”, disse O’Leary. “Na hora em que isso acontecer, são desmoralizados todos os que acreditam que estão retomando o início do islão primitivo bem como na parte da construção bem-sucedida de um novo império.”

O’Leary aconselhou às nações ocidentais evitar introspecções sobre a sua possível contribuição para a ascensão do EI. “Há explicações parciais para o sucesso do jihadismo na política ocidental”, disse. “Contudo, seria uma estupidez e uma tolice da nossa parte gastar tempo com uma autocrítica exagerada do nosso passado imperial, quando os factores que realmente importam aqui são o sucesso prático do EI e a necessidade estratégica que temos de, juntos, garantir a sua destruição.”

Além disso, quaisquer consequências inadvertidas entre a população islâmica podem ser contornadas com “estratégias apropriadas”, tais como a proposta de um bom emprego e a não discriminação, disse O’Leary. “Em troca […] eles devem aceitar os padrões pluralistas e democráticos do Ocidente, a separação entre religião e Estado, não devem exigir nenhuma excepção especial aos valores fundamentais em nome da religião como, por exemplo, a igualdade feminina etc.”, acrescentou.

A guerra é a prioridade

Washington, segundo o EI, será o próximo alvo. Para O’Leary, não ajuda em nada tomar posição a favor ou contra o governo Obama. Ele aconselha que se busquem novas estratégias de relações internacionais em detrimento das actuais. “Na política ocidental, envolvemo-nos, de um lado, em intervenções irreflectidas de larga escala e depois decidimos que a melhor estratégia é o oposto disso – reduzimos significativamente a nossa presença, deixamos tudo nas mãos dos aliados locais e não intervimos.” Para ele, há um “meio termo” em que os EUA poderiam ajudar na reconfiguração do Iraque e da Síria e “fazer alguma coisa” sobre as diferenças entre árabes sunitas de ambos os governos. “É preciso garantir um futuro para eles, que é preferível à vida sob o EI.”

Com base na sua experiência de gestão de risco, Michel-Kerjan disse que “aprendemos do jeito mais difícil que é preciso um acontecimento de peso para que haja alguma reacção”. Agora, porém, o mundo deve às vítimas dos ataques a Paris uma reacção à altura contra o EI. “Temos de ir além da declaração de guerra – o momento requer efectivo humano, energia, coordenação internacional e recursos militares.”