Passos

O presidente Cavaco Silva continua a defender a mesma posição de início: não há condições para dar posse a um governo de esquerda que envolva os partidos que excluem o consenso europeu. E a dificuldade no acordo entre o PS-BE-PCP está aí para provar isso mesmo. Por isso a solução de Bloco Central PSD-PS será a que se segue.

Mas quer Belém, quer o primeiro-ministro empossado, estão convencidos que haverá uma coligação negativa para deitar abaixo o actual governo no próximo dia 11 de Novembro, por força de uma moção de rejeição que os três partidos da oposição de esquerda deverão apresentar.

Com a queda do governo de coligação PSD-CDS esta coligação dissolve-se e está esgotada a potencialidade de um entendimento da coligação com o PS.

Não pretendendo Belém alimentar mais a deriva de esquerda, que permitiu a António Costa sobreviver dentro do Partido Socialista depois da derrota eleitoral, ao mesmo tempo que deu tempo para se organizar a oposição interna (leia-se Francisco Assis e Miguel Beleza) sem haver ruptura ou fragmentação do PS – esta uma das grandes preocupações do discurso presidencial –, a solução que fica na actual legislatura é a de um entendimento entre os dois partidos do centro político, ficando de fora, à direita, o CDS, e à esquerda, o BE e o PCP.

 

PCP sobe preço a um Costa refém

Apesar dos avanços e recuos nas negociações à esquerda, António Costa quer chegar a acordo para um governo de legislatura com o BE e PCP antes de apresentar e votar uma moção de rejeição ao governo. Ciente dessa situação Catarina Martins baixou as exigências do BE no sentido de facilitar o acordo, admitindo mesmo um governo do PS com um acordo de incidência parlamentar para não assustar os mercados e, sobretudo, tirar argumentos ao Presidente da República.

Só que tudo se complicou, com o PCP a perceber que tem tudo a perder se ficar amarrado a um acordo com o PS por quatro anos. Por isso o PCP não vai querer um acordo qualquer. Só viabiliza o acordo com António Costa se ficar claro que a agenda do governo socialista é a sua agenda! Só assim o velho Partido Comunista Português, que na oposição tem evitado o aparecimento de partidos populistas em Portugal, admite comprometer-se, uma situação que significaria PS e BE serem engolidos pela estratégia do PCP.

Para o PCP as ameaças de Carlos César, antes da reunião de quarta-feira à noite, são simplesmente ridículas. O PCP só faria um entendimento com o PS, caso ficasse claro que obteria muito mais que o BE e até mesmo que o PS. Costa só sobrevive politicamente se conseguir criar um governo, e o avanço na linha de um governo de esquerda tornou-o refém do PCP. Se não mandar abaixo o governo, o PS terá alternativa a ele no próximo congresso, alguém que esteve sempre no Centro e defendeu o acordo com o PSD, e não um realista maquiavélico que só pensa na sua própria agenda.

É exactamente nessa linha que vai Francisco Assis, que tinha anunciado ir reunir na Mealhada este fim-de-semana os seus apoiantes e onde iriam aparecer algumas figuras relevantes do partido, ligadas à área segurista. Estava marcada uma sala para 100 pessoas, mas estaria de reserva também uma outra para 200 pessoas, o que garantia sempre uma sala composta. E basicamente o que iriam dizer é que não queriam a fragmentação do PS – na linha do que tem defendido o Presidente da República – mas que, por outro lado, a haver um governo de Bloco Central ou outro tipo de acordo ao centro, seria melhor que o PS escolhesse uma nova liderança genuína e não falsos centristas, como António Costa. Ou seja, se Costa não conseguisse formar um governo de esquerda seria bom que cedesse o lugar de líder a outros. Mas o adiamento que foi ponderado acabou por ser substituído por uma antecipação e a jogada de Costa acabou por funcionar como mobilizador das tropas de Assis: Francisco Assis antecipou o encontro da Mealhada para sexta feira e 400 pessoas já tinham confirmado a presença na quinta à tarde.

A hora é de Francisco Assis, que sempre defendeu que o PS deve deixar passar o governo de coligação e começar a preparar a sua maioria absoluta para daqui a dois anos, depois de uma limpeza do partido, afastando, nomeadamente, os homens de Sócrates que, irresponsavelmente, marcaram os últimos anos da governação socialista. Para estes socialistas é claro que o PCP nunca se deixará ficar nas mãos do PS e que o próprio BE, quando se aperceber que o seu eleitorado percepciona que não soube defender os interesses próprios, como o PCP, poderá dar o dito por não dito e deixar António Costa sozinho. Mas todos têm consciência que o caminho iniciado por António Costa não tem recuo para o próprio, pois recuar significará que tem que abandonar a liderança do partido.

É neste contexto que o secretário-geral do PS, antes da reunião com o PCP na quarta-feira, convoca para este fim-de-semana os dois órgãos internos do seu partido – a Comissão Política e o Comissão Nacional.

No sábado, os socialistas vão concentrar-se à tarde no Hotel Altis para reunir a mais importante estrutura interna entre congressos, a Comissão Nacional, e no dia seguinte, no domingo à noite, deverá reunir-se na sede do partido a Comissão Política Nacional.

Reuniões onde o líder do PS deve dar conta das diligências feitas: ou um governo sem estabilidade à esquerda (que o Presidente da República dificilmente apoiará), mas que justifica a apresentação de uma moção de rejeição que permite a queda do actual governo e a formação de um Bloco Central, ou a abstenção do PS no programa de governo, deixando Passos governar até ao Verão e nessa altura provocar eleições gerais de novo, assegurando desse modo e até lá a eleição de um Presidente da República de esquerda.

Em face desta jogada de antecipação de Costa, o almoço que Francisco Assis convocara para sábado, na Mealhada, com socialistas críticos da negociação e do acordo à esquerda, a denominada “corrente alternativa”, foi antecipado para a noite de sexta feira. Recorde-se ainda a propósito que António Costa e Carlos César, antes desta convocatória, andaram na noite de terça-feira a oferecer lugares na Administração Pública a apoiantes de Assis, para que eles não fossem ao almoço da Mealhada. Mas na quarta-feira de manhã era óbvio que a estratégia fracassara e que a antecipação dos órgãos nacionais para legitimar a posição do partido, antes da votação da rejeição do programa de governo da Coligação PSD-CDS, na terça-feira, era a única saída possível para o gueto em que Costa se metera.

 

Passos incumbido de formar novo Bloco Central?

Depois da eventual queda do governo, caso Costa avance mesmo sem uma solução de governo estável para uma moção de rejeição, o Presidente da República deverá falar com os líderes dos dois maiores partidos e desenvolver esforços para que se entendam, consciente que o eventual acordo de esquerda não é sustentável, embora possa servir para aguentar Costa algum tempo mais na liderança do PS, pelo menos se conseguir formar um governo com Passos Coelho de Bloco Central. Por isso Belém deverá de novo incumbir Passos Coelho para formar um novo governo, agora já sem integrar o CDS, explorando as possibilidades do governo de Bloco Central (PS-PSD). Um cenário que permite a Costa ainda sobreviver, sobretudo se integrar o governo.

Neste contexto, Passos Coelho deverá avançar com a convocação de um novo Congresso para legitimar a nova estratégia governamental do PSD, sem a coligação PaF, abrindo a porta a entendimentos com o PS, tendo em conta os superiores interesses do País.

Esta legitimação não só permite a mudança de estratégia do PSD como legitima a liderança de Passos Coelho e cria um obstáculo à tentativa seguinte de António Costa de vetar o nome do líder do PSD e actual primeiro-ministro, para chefiar um governo do Bloco Central – eventual estratégia para um cenário de rejeição ou impossibilidade da posse de um governo de esquerda, que o PS pode adoptar para complicar a vida ao Presidente da República.

 

Marcelo contra Cavaco Silva e Passos Coelho

Este cenário é o que menos interessa à candidatura presidencial de Marcelo Rebelo de Sousa, que tudo fará para instalar em Belém um governo de esquerda, como Cavaco Silva conseguiu que Jorge Sampaio fizesse ao demitir e dissolver a Assembleia de República, que sustentava o governo de Santana Lopes, e dar posse ao governo chefiado por José Sócrates.

Mas os homens de Belém não consideram que Marcelo Rebelo de Sousa tenha sequer o perfil para ser Presidente da República, apesar da sua popularidade como comentador e professor de Direito.

Do mesmo modo, a Maçonaria do GOL alinhou no contexto a contravontade (por a considerar muito fraca politicamente) por Maria de Belém, tendo já Jorge Coelho assumido a orientação da campanha presidencial. Para integrar a esquerda, Maria de Belém veio dizer ser contra um governo de gestão, mas esse será o cenário que mais lhe interessa. Um Bloco Central pode ser favorável a Sampaio da Nóvoa ou ao aparecimento de um novo candidato presidencial, que estabilize a situação, e um governo de esquerda seria sempre mais favorável a Marcelo Rebelo de Sousa.

Por outro lado, o óbvio amadorismo da companha de Marcelo Rebelo de Sousa, que ingenuamente acha que fazendo a campanha à esquerda – porque a direita estaria garantida – consegue a maioria à primeira volta.

Só que a estratégia de Marcelo está a criar desmobilização e a abstenção à direita, indignação mesmo dentro do PSD e das hostes passistas e cavaquistas, tendo alguns meios percebido que se abre espaço para uma eventual candidatura à direita que possa ter o apoio da Coligação. Somado ao descontentamento estratégico da maçonaria e dos meios militares com os candidatos de esquerda, começa com efeito a criarem-se condições para que tudo possa ainda estar em aberto para as presidenciais de Janeiro.

Um cenário que poderá mesmo levar à desistência de Marcelo Rebelo de Sousa. Recorde-se que Marcelo Rebelo de Sousa ainda não é formalmente candidato e que até ao Natal eventuais candidatos podem ainda aparecer.