A chanceler alemã Angela Merkel conduziu a Europa a seis dilemas sem solução:
Em primeiro lugar, a aposta no nacionalismo, por forma a quebrar a força dos Estados-membros da União Europeia. Falhou na Escócia, e esta semana o voto da Catalunha deu a vitória nas eleições regionais aos separatistas, mas não teve a expressão de um plesbicito que permitisse a proclamação unilateral da independência. Menos um problema, criado pelos alemães, num país onde os serviços secretos europeus se cruzam e conspiram como não se via desde a II Guerra Mundial, com ameaças, intimidações e muita conspiração. Sobram outros cinco problemas para resolver o caos que os alemães provocaram na Europa.
Em segundo lugar, o problema dos refugiados. A senhora Merkel criou o problema da abertura da Europa e da Alemanha aos refugiados sírios, sem ter preparado Schengen para a invasão e, sobretudo, sem ter estruturas operacionais para os receber na própria Alemanha, onde os municípios estão a desalojar pessoas de habitações sociais para as entregar a refugiados e onde está a ser equacionado o confisco de habitações privadas e a nacionalização de áreas comerciais para acolher a enchente de refugiados. O investimento necessário para a Alemanha integrar o quase milhão de refugiados, que está a chegar às suas fronteiras, pode fazer perigar a margem de manobra orçamental alemã, colocando em risco o excedente das contas exigido pela reforma constitucional na sequência do Tratado Orçamental, sobretudo se combinar esta despesa com o arrefecimento da economia europeia. Basicamente Merkel optou por gastar a margem orçamental com refugiados, depois de ter recusado resolver o problema da Grécia e do relançamento económico europeu.
Mas nestas circunstâncias o caos europeu parece mais acentuado, como lembrava Wolfgang Munchau, esta semana no “Financial Times”. Porque a margem de manobra se esgota do lado alemão e nenhum dos grandes problemas está resolvido.
Falta ainda resolver o problema grego. E esse é o terceiro dilema. O Syriza ganhou as eleições em Atenas e vai agora começar a implementar o plano negociado com Bruxelas. Como sempre, será incompetente e deficientemente implementado e, no final, a avaliação será provavelmente negativa. Nesse caso teremos de novo em cima da mesa o problema do Grexit – a saída da Grécia da Zona Euro –, com noites de negociação e sem outra solução que não seja a saída temporária ou definitiva da Grécia, para possibilitar a reestruturação da sua dívida. Mas se tudo começar a correr bem, daqui a três meses a avaliação da nova troika levará ao mesmo resultado, pois a Grécia quererá renegociar a dívida pública, conforme ficou acordado no Conselho Europeu, e esse objectivo terá a oposição do FMI, além de ser legalmente possível apenas no quadro da saída (ainda que temporária) da Grécia da Eurozona.
Acresce ainda o problema dos países periféricos, como Espanha e Portugal. Longe de terem o problema orçamental resolvido, mais cedo ou mais tarde a permanência destes países na Zona Euro implicará uma reforma do quadro de solidariedade fiscal ou, em alternativa, o corte da dívida externa destes países, sob pena de ficarem décadas num marasmo económico, que os condenará ao empobrecimento, por causa da especialização económica provocada pela união monetária e da falência dos seus sistemas financeiros.
O caso português é o mais grave, pois a crise da banca pode acelerar a necessidade de recursos adicionais. O facto de não haver condições para se vender o Novo Banco, sem antes serem nacionalizados os seus prejuízos, e a possibilidade da Caixa Geral de Depósitos, do Millennium bcp, do próprio Novo Banco e do Montepio Geral chumbarem nos stress tests de Outubro próximo, vai obrigar a entradas adicionais de recursos públicos ou à capitalização dos bancos com recurso aos depósitos dos clientes dos próprios bancos. O que poderá provocar uma corrida aos bancos e agravar ainda mais a situação política portuguesa, já de si complicada se não houver uma maioria absoluta e clara nas eleições legislativas do próximo domingo, como parecem indicar todas as sondagens.
O problema da Ucrânia também não está resolvido. A doutrina Monroe russa, enunciada por Putin, dá a Moscovo o direito de controlar os seus vizinhos. Se, no caso da Ucrânia, Moscovo ocupou o território, resta ainda a crise nos países eslavos, da Finlândia à Letónia, para onde os EUA já deslocaram tropas. Uma crise militar, só possível pelas opções estratégicas militares europeias erradas nos últimos anos…
À crise do nacionalismo, à crise dos refugiados, à crise da Grécia e às complicações bancárias e políticas em Portugal – em vésperas de eleições de Novembro em Espanha (onde o PP vai perder provavelmente as eleições), ou das eleições suíças (dentro de três semanas), onde os populistas anti-Schengen e Europa ganharão pela primeira vez –, tudo isto num contexto de travagem do crescimento europeu e do regresso da deflação. Com o excedente orçamental alemão transformado num pequeno défice ilegal, há a acrescentar ainda a súbita crise da Volkswagen (e da restante indústria automóvel alemã), que pode custar à Alemanha mais do que o resgate da Grécia, ou mesmo o pagamento da dívida pública helénica.
E, neste caso, pode ser o modelo económico alemão das provincianas empresas familiares que entrará em colapso. O sistema de silêncio conivente nas cidades de província dominadas por famílias industriais, como Wolfsburg, na Baixa Saxónia, criada pela última família principesca (industrial) alemã – os Porsches e os Piechs –, onde se trabalha ao limite e se inova dentro de um sistema de lealdade e motivação e de oportunidades baseado no trabalho para a vida e com a ética do pequeno “arranjo” familiar, tão típico dos alemães, quando exportado para a escala mundial acabou por resultar na falsificação e na mentira, a níveis que nenhuma empresa global jamais se atreveria. Este provincianismo económico, que é o padrão das pequenas, médias e grandes empresas alemãs, falhou, e vai custar à Alemanha não apenas a reputação, mas sobretudo encargos públicos, numa altura em que a Alemanha não tem margem de manobra, porque o acolhimento dos refugiados comprometeu a folga orçamental.
De todos os problemas, as notícias da Catalunha, ainda que não definitivas, parecem ser as menos más.