Com as sondagens a darem empate técnico, factos como as eleições da Catalunha do próximo domingo podem alterar os debates da campanha e fazer mudar a tendência de voto. Concretamente, com a independência da Catalunha à frente nas sondagens e com os catalães a não se mostrarem intimidados pela chantagem europeia e de Madrid, a possibilidade de uma forte instabilidade política na Península poderá definitivamente ajudar a Coligação a chegar à maioria absoluta, pelo sentimento de estabilidade e medo do desconhecido que uma mudança pode gerar.
Mas à margem destes factores exógenos, com a campanha eleitoral para as legislativas a cumprir a sua primeira semana, os cenários pós-eleitorais começam a agitar as direcções partidárias, com o day after dos próprios partidos políticos a ser equacionado nas estratégias das elites partidárias.
A possibilidade de não existência de uma maioria absoluta cria condições de governabilidade complexas e um governo a prazo, enquanto a fragmentação do sistema de partidos pode definitivamente inviabilizar soluções estáveis de governabilidade, sem coligações, convidando a prazo a uma alteração constitucional (que ninguém quer assumir), no sentido de uma presidencialização do sistema político, que pode ser discutida já na campanha das próximas presidenciais.
Os cenários que neste momento se colocam em cima da mesa passam todos pela inexistência de uma maioria absoluta. E neste contexto, teríamos as hipóteses prováveis: (1) maioria relativa de deputados da Coligação PSD-CDS, com maioria parlamentar de esquerda; e (2) maioria relativa do PS, com maioria absoluta de esquerda.
(1) Maioria da Coligação
Neste cenário, o Presidente da República poderia convidar Pedro Passos Coelho a formar um governo. Haverá a considerar quatro hipóteses: o governo da Coligação PSD-CDS apresenta-se no Parlamento e vê o seu programa aprovado, com o voto (Hipótese 1), ou a abstenção (H2) do Partido Socialista, dois cenários improváveis, em face da luta interna que, logo no dia 4 de Outubro, se estabeleceria dentro do PS, e que inviabilizaria essa posição; ou, num segundo momento, e aprovado o programa do governo, este ser inviabilizado quando, em Dezembro, fosse chumbado o Orçamento do Estado para 2016 (H3); ou ainda, e finalmente, o programa de governo ser inviabilizado (H4), levando o Presidente da República a ter que optar por um novo governo.
Com todas as sondagens a apontarem para a ausência de uma maioria absoluta, seja qual for o partido vitorioso, a hipótese de um governo saído dos partidos políticos começa a ser impraticável. E nesse contexto poderia surgir a necessidade de um governo de iniciativa presidencial, eventualmente chefiado por Manuela Ferreira Leite, numa espécie de coligação entre o cavaquismo e o PS de António Costa, que tem feito uma aproximação ao Presidente da República.
Seria sempre um governo de iniciativa presidencial, suportado por um acordo de incidência parlamentar entre o PSD ou a Coligação (que, entretanto, se desfará no Parlamento, com dois grupos parlamentares autónomos) e o PS, e que duraria apenas até ao Verão de 2016, quando o novo Presidente da República, a ser eleito em Janeiro de 2016, recuperar os poderes constituintes e puder dissolver o Parlamento.
O acordo parlamentar poderia incluir apenas a viabilização do programa do governo e a aprovação de um Orçamento do Estado para 2016, conforme o negociado no Semestre Europeu por Maria Luís Albuquerque. Esta negociação, depois de aprovada, em Setembro, pela Comissão Europeia, não pode ser alterada sem o voto favorável de pelo menos 70% dos Estados-membros, o que é materialmente impossível.
Para o PSD, o problema de um governo com estas características seria a sobrevivência do cavaquismo, que tem estado órfão e que, por necessidade, se aproximou de Marcelo Rebelo de Sousa, e, por outro lado, a prevalência no governo do grupo de António Costa, que dominaria o grupo parlamentar socialista, mas estaria entretanto a ser desalojado da liderança do PS.
Do lado do PSD, os cavaquistas poderiam ser tentados a relançar o nome de Durão Barroso para a Presidência da República, obrigando Marcelo Rebelo de Sousa a desistir. Uma iniciativa que poderia ainda contar com o apoio de Pedro Passos Coelho que, entretanto, como líder da Coligação, não seria afastado da liderança do PSD e se prepararia para ir a votos no Verão do próximo ano.
Tensões deste nível podem ser um convite à fragmentação do espaço partidário da coligação de centro-direita, sobretudo depois de um insucesso dos partidos de direita, nas eleições de 4 de Outubro. O aparecimento de um partido liberal ou de um movimento centrista, apesar da radicalização ideológica na Europa, poderia ser uma novidade para 2016.
(2) Vitória de António Costa
Outra possibilidade, diante do empate técnico das sondagens, é uma vitória escassa do Partido Socialista, estando afastada a hipótese de uma vantagem folgada ou mesmo de maioria absoluta à esquerda.
Este cenário é mais favorável a um entendimento entre os grandes partidos centrais. Passos Coelho já assegurou que, se perder por uma escassa maioria, se pretende manter na liderança do PSD, indo a votos no Congresso de Março de 2016, tencionando apresentar-se nas legislativas do Verão seguinte.
Com este cenário, e um ano difícil na Europa pela frente, o Partido Socialista poderia formar um governo que seria aprovado no Parlamento com a abstenção da direita e poderia ver viabilizado o OE 2016, com os votos do PSD e do CDS. Passos Coelho nunca inviabilizará um OE 2016 que cumpra o Semestre Europeu que negociou em Bruxelas, ainda que com algumas nuances do programa socialista.
Porém, esta seria sempre uma solução fraca, que obrigaria o PS a ir negociando apoios pontuais à direita ou à esquerda e que provavelmente cairia logo que o novo Presidente da República recuperasse a possibilidade de dissolver o Parlamento. O primeiro governo de Cavaco Silva e o último de António Guterres conseguiram governar nessas condições, um com sucesso (no início da integração europeia e que levaria às maiorias absolutas de Cavaco Silva), o outro, com António Guterres, criando um pântano entre negócios e política.
Mas depois da crise e da desarticulação dos principais players nacionais não haverá sociedade civil nem empresas que aguentem o país com um governo tão fraco, pelo que a queda seria inevitável.
A alternativa a um governo minoritário do PS é a possibilidade de um governo de coligação com maioria, liderado pelo Partido Socialista. As duas hipóteses, face às sondagens actuais, seriam uma Frente Popular PS-PCP, que nunca aconteceu em Portugal e que dificilmente seria possível em face dos compromissos com o Semestre Europeu, ou uma eventual coligação com o CDS, reeditando o governo PS-CDS de 1978, que viria a fazer o primeiro resgate com o FMI e ao qual sucederia a AD, de Sá Carneiro e Freitas do Amaral. Este cenário será sempre instável e seguramente aguentaria até ao Verão, mas proporcionaria de seguida uma maioria absoluta ao PSD e a provável extinção do CDS no Parlamento.
Um governo do PS com o Bloco de Esquerda não será expectável, de acordo com as sondagens conhecidas, dada a fraca expressão eleitoral do BE, que não deverá somar, com o PS, os 126 mandatos necessários para uma maioria absoluta.
Bloco Central ainda é possível?
Antes de ensaiar um acordo de incidência parlamentar que viabilize um governo de iniciativa presidencial, eventualmente presidido por Manuela Ferreira Leite, Cavaco Silva tentará construir uma situação mais estável, na linha do que disse nas comemorações do 10 de Junho: uma coligação entre os partidos do arco da governabilidade, com ou sem CDS.
Este cenário é improvável se Passos Coelho se mantiver à frente do PSD, porque dificilmente o segundo partido da coligação ganhará as legislativas seguintes e, por isso, certamente escolherá o momento de maior fragilidade do PS para mandar abaixo o Bloco Central, como aconteceu com o então PPD, em 1986.
Mas será uma possibilidade real, se Passos Coelho sair da liderança do PSD no dia 4 de Outubro próximo e, por exemplo, Rui Rio assumir a liderança do partido. O PSD, como partido de poder, depende muito dos lugares na estrutura do Estado e por isso preferirá estar no poder, mesmo em coligação, a fazer uma cura de oposição, ainda que seja apenas de um ano. Por isso, seria natural que Rui Rio negociasse uma coligação com António Costa, que poderia manter-se durante uma ou duas legislaturas, aproveitando para fazer as reformas estruturais (de mercado) e do Estado ainda necessárias, à semelhança do que acontece na maioria dos Estados da União Europeia.