Por SERGEI KARAGANOV
Reitor da Escola de Economia Internacional e de Negócios Estrangeiros da Universidade Nacional de Investigação Económica e membro do painel de notáveis da OSCE para a Segurança Europeia como um projecto comum.
MOSCOVO – Mais de 18 meses depois de o ex-presidente Viktor Yanukovych ter sido expulso do poder e partido para o exílio, a crise na Ucrânia está num impasse. A Crimeia foi reabsorvida pela Rússia (no que muitos consideram uma anexação); grande parte do leste da Ucrânia é controlada por rebeldes pró-Rússia; e as relações entre o Ocidente e a Rússia estão mais tensas do que em qualquer momento desde os primeiros dias da Guerra Fria.
Quem pode reivindicar vantagens com a situação? Aqueles que queriam ver a Ucrânia ancorada no Ocidente, ou imaginado que as sanções sobre a Rússia iriam incentivar a mudança de regime no Kremlin, por golpe palaciano ou levantamento popular, viram as suas esperanças frustradas: a popularidade do presidente Vladimir Putin é tão alta como sempre. Na Rússia, os que previram o colapso imediato da Ucrânia e apostaram na criação “Novorossia” pró-russa, integrando as províncias orientais e meridionais da Ucrânia, estão igualmente decepcionados.
A tragédia é que o preço dessas ilusões tem sido extraordinariamente alto em termos humanos – o número de mortos (desafiando o cessar-fogo) no leste da Ucrânia subiu para mais de 6000, desde Abril de 2014 – e perigosamente alto em termos geoestratégicos também. Parece que ambos os lados estão prontos para lutar “até à última ucraniana”.
Como argumentei há muito tempo, a Rússia nunca abrirá mão dos seus pontos de vista. Depois de ser sido empurrada para a parede por mais de duas décadas de expansão ocidental – seja pelo alargamento da União Europeia ou da NATO –, numa parte da Europa que considera vital para a sua segurança nacional, os russos acreditam que têm a superioridade moral na defesa dos seus interesses.
O perigo agora, com ambos os lados trocando acusações numa atmosfera de desconfiança mútua, é que o actual impasse conduzirá a uma crise muito mais profunda entre a Rússia e o Ocidente. Ambos os lados precisam de encontrar uma solução; ainda assim, apesar de ter saído vitorioso da Guerra Fria, o Ocidente parece não só ter perdido a paz, mas está na iminência de redividir a Europa. E isso está a acontecer num momento em que todo o continente, incluindo a Rússia e muitos outros países da Eurásia, estão a ser confrontados com a ameaça do extremismo islâmico.
E também está a acontecer num momento em que ambas as partes da Europa estão em busca de uma nova identidade geopolítica, ou até mesmo espiritual. Enquanto a União Europeia luta com problemas de migração e integração, a Rússia está a afastar-se de um curso económico e cultural eurocêntrico em direcção a uma alternativa euroasiática. E os Estados Unidos – pelo menos com o presidente Barack Obama – recolheram-se numa espécie de semi-isolamento, deixando para trás zonas de instabilidade preocupantes e crises não resolvidas.
Então, o que irá seguir-se? Com a Europa Ocidental e Oriental assoladas por conflitos políticos e estagnação económica, os cinco séculos de dominação global europeia estão a chegar ao fim. A realidade agora, após o fim da supremacia bipolar EUA/União Soviética e de uma breve fase unipolar, que se seguiu ao colapso da União Soviética, é que estamos agora a entrar numa fase de um mundo multipolar.
Isto também pode revelar-se temporário à medida que dois novos macroblocos geopolíticos forem ganhando força, ao longo do século XXI. Um centra-se nos EUA e a sua prioridade é concluir a Parceria Trans-Pacífico (TPP) e a Parceria Transatlântica do Comércio e do Investimento (TTIP).
O segundo macrobloco é “A Grande Eurásia”, com China, Rússia, Cazaquistão, Irão, e possivelmente Índia. Bases sólidas para este projecto foram estabelecidas com o acordo, assinado em Maio, entre a Rússia e a China, para coordenar a União Económica da Eurásia (UEE), liderada pela Rússia, a iniciativa da “Rota da Seda”, do presidente chinês Xi Jinping, que visa vincular as economias da Ásia Central e Ocidental, aos interesses da China.
A questão é se esta “Grande Eurásia” poderá ajudar a Europa a encontrar uma via que resolva o seu actual impasse de segurança. Alguns na Europa, sem dúvida, preferem fortalecer a Organização para a Segurança e Cooperação da Europa, mas a verdade é que a OSCE, castigada pela sua história da Guerra Fria e da sua incapacidade de garantir a paz no pós-Guerra Fria, está demasiado marcada para desempenhar um papel decisivo.
Uma alternativa poderia ser um diálogo entre a UE e a UEE, mas ele poderá ser complicado, pois a UEE está de momento mais interessada em conseguir uma relação estreita com a China e com os seus aliados da Rota da Seda. Uma abordagem melhor seria convidar – mais cedo ou mais tarde – a China e os países da Eurásia para criarem, com o decorrer do tempo, um espaço económico comum de Xangai a Lisboa. Há um potencial óbvio para a UE em fazer um acordo construtivo com a Organização de Cooperação de Xangai (criada em 2001 pela China, Rússia, Cazaquistão, Quirguistão, Tajiquistão e Uzbequistão, e a que a Índia e Paquistão deverão aderir no próximo ano). O fracasso da antiga estrutura exige um esforço para criar uma nova, começando com um diálogo sobre a cooperação para o desenvolvimento da Eurásia e a segurança, que envolva a China e os países euroasiáticos e europeus.
Nada disso irá implicar o fim da OSCE ou tornar redundante a NATO, e nem deve ser esse o objectivo de ninguém. Hoje, o que importa na resolução de conflitos, estejam eles activos ou supostamente “congelados”, é a construção de um quadro mais amplo de cooperação e diálogo entre a UE e aquilo a que eu chamo ”Grande Eurásia”.
A questão remanescente em tal cenário diz respeito ao papel dos EUA. Será que eles quererão realmente permanecer no seu semi-isolamento, na esperança de serem chamados de volta para o centro do palco, em algum “momento unipolar” improvável no futuro? Tenhamos esperança numa América pronta para agir como um jogador responsável num mundo mais justo.