Um “New Deal” para a dívida insustentável?

Por Kenneth Rogoff

Ex-economista-chefe do FMI, é professor de Economia e Política Pública na Universidade de Harvard

 

O reconhecimento, pelo Fundo Monetário Internacional (FMI), de que a dívida da Grécia é insustentável pode vir a ser um ponto de viragem para o sistema financeiro global. É evidente que se devem levar mais a sério as políticas heterodoxas para abordar os grandes pesos de dívida existentes, mesmo em alguns países avançados.

Desde o início da crise grega, tem havido basicamente três escolas de pensamento. A primeira é a concepção da chamada troika (Comissão Europeia, Banco Central Europeu e FMI), segundo a qual a periferia da zona do euro com problemas de dívida (Grécia, Irlanda, Portugal e Espanha) exige uma forte disciplina normativa para prevenir que uma crise de liquidez no curto prazo se transforme num problema de insolvência a longo prazo.

A prescrição normativa ortodoxa era a de conceder empréstimos-ponte tradicionais a esses países, dando-lhes tempo para resolverem os seus problemas de orçamento e realizarem as reformas destinadas a aumentar as suas possibilidades de crescimento a longo prazo. Esta abordagem deu resultados em Espanha, Irlanda e Portugal, mas à custa de enormes recessões. Além disso, há um grande risco de recaída, caso se registe uma importante quebra da economia mundial. No entanto, a política da troika ainda não estabilizou – e muito menos reavivou – a economia da Grécia.

Uma segunda escola de pensamento também considera a crise só um problema de liquidez, exclusivamente, mas vê insolvência a longo prazo como um risco pouco provável, no pior dos casos. O problema não é que a dívida dos países periféricos da Zona Euro seja muito grande, mas sim que não lhes tenha sido permitido aumentá-la o suficiente.

Este grupo antiausteridade acredita que, mesmo quando os mercados privados perderam completamente a confiança na periferia da Europa, a Europa do Norte poderia facilmente ter resolvido o problema avalizando a dívida da periferia, talvez através de eurobonds, suportados, em última análise, por todos contribuintes (e em particular os alemães) da Zona Euro. Então, ter-se-ia permitido aos países da periferia não só reestruturarem as suas dívidas, mas também aplicar uma política orçamental contracíclica, durante o período de tempo que os seus governos nacionais tivessem considerado necessário.

Por outras palavras, para os defensores da antiausteridade, a Zona Euro sofreu uma crise de concorrência, e não uma crise de confiança. Não importa que a Zona Euro não tenha uma autoridade fiscal centralizada, mas apenas uma união bancária incompleta. Os problemas de risco moral ou de insolvência não são relevantes, nem o são, tão-pouco, as reformas estruturais que promovam o crescimento. Todos os devedores poderão pagar no futuro, mesmo que nem sempre tenham sido fiáveis ​​no passado. Em qualquer caso, um crescimento mais rápido do PIB permitirá pagar tudo, graças aos elevados multiplicadores orçamentais. Em suma, a Europa perdeu uma grande oportunidade.

É uma visão totalmente consistente, mas ingénua na sua confiança incondicional (por exemplo, nos textos polémicos do Nobel da Economia, Paul Krugman).  Em consequência disso, a concepção antiausteridade oculta suposições muito pouco fundamentadas e grandes riscos. Na verdade, acumular empréstimos sobre encargos de dívida já elevados na periferia da Zona Euro implicava um risco significativo, especialmente quando eclodiu a crise.

A corrupção política, exemplificada pelo conluio entre o governo e o sector financeiro de Espanha, era endémica. Um mercado de trabalho dual e os monopólios do mercado de produtos continuam a travar o crescimento e os oligarcas têm um poder desproporcional para proteger os seus interesses. Na realidade, a Alemanha não poderia ter garantido toda a dívida da

periferia europeia sem pôr em risco a sua própria solvência, especialmente na ausência de um sistema de controlos e salvaguardas que funcione bem. Garantias mais amplas e abertas poderiam ter dado resultados, mas se isso não acontecesse, a degradação económica da periferia poderia ter-se alargado para o centro.

Uma terceira visão é que, dada a magnitude da crise financeira, o problema da dívida na Europa deveria ter sido diagnosticado como um problema de insolvência, logo desde o início, e deveria ter sido abordado com a reestruturação e a redução da dívida, com o auxílio de uma inflação moderadamente elevada e uma reforma estrutural. Esse tem sido o meu ponto de vista desde o início da crise.

Na Irlanda e em Espanha, os credores privados, e não os contribuintes irlandeses e espanhóis, deveriam ter sido os únicos a sofrer as consequências das falências bancárias. Na Grécia, deveria ter havido amortização mais rápida e maior do crédito em incumprimento.

Naturalmente, os governos nacionais teriam que recorrer a fundos públicos, suportados pelos contribuintes, para recapitalizar os bancos do Norte da Europa demasiado expostos aos países da periferia – particularmente os da França e da Alemanha –, e teriam sido necessárias transferências para recapitalizar os bancos da periferia, mas ao menos a opinião pública teria entendido então a realidade da situação, enquanto os bancos reestruturados e recapitalizados teriam ficado em condições de começar a de novo a financiar a economia.

Infelizmente, demasiadas autoridades nas economias avançadas deram-se ao luxo de acreditar que tais políticas heterodoxas são apenas para os mercados emergentes, quando, de facto, os países avançados têm, em muitas ocasiões, recorrido eles próprios a políticas heterodoxas para reduzirem as suas dívidas pendentes. A reestruturação da dívida teria dado à Europa a possibilidade de uma tão necessária retoma. É verdade que envolvia alguns riscos, como alertou o economista-chefe do FMI, Olivier Blanchard, mas teria valido a pena.

Então, qual é o caminho a seguir? Um aprofundamento da integração europeia, regras mais restritas em matéria de capitais próprios de base, no caso de bancos, e reformas estruturais mais profundas, são elementos fundamentais para qualquer solução. Além disso é preciso urgentemente uma maior ajuda à periferia europeia.

Mas, além disso, a experiência da Europa deveria levar a uma reconfiguração total do sistema mundial de gestão dos defaults de dívida soberana, o que poderia significar um regresso a propostas mais antigas do FMI para a criação de um mecanismo para esses casos, ou encontrar formas de institucionalizar a posição recente do Fundo sobre a dívida grega. Nada é de graça na Europa, nem nunca o foi, mas há maneiras muito melhores para lidar com a dívida insustentável.