A compra de 30,57% do capital do Finibanco Angola, pelo empresário angolano Mário Palhares, coloca o Montepio Geral e Tomás Correia (actual presidente do Conselho de Administração do Finibanco Angola e que até há uma semana era presidente executivo da Caixa Económica Montepio Geral), como vértice de um intrincado triângulo de interesses, que interliga Palhares e uma das filhas do presidente angolano José Eduardo dos Santos e outros nomes poderosos de Angola, ao consultor português António Bernardo e a alguns parceiros de negócios sob investigação das autoridades portuguesas.
No fim-de-semana de 11 e 12 de Julho, Tomás Correia deslocou-se a Luanda, como convidado para o casamento da filha de Palhares, revelando a sua proximidade com a família do empresário angolano, também muito próxima de Humberto da Costa Leite, que em 2010 vendeu o Finibanco e o Finibanco Angola ao Montepio Geral.
Apesar de Tomás Correia ter, em Janeiro último, renunciado ao cargo de presidente do Montepio Holding (entidade que detém agora 51% do Finibanco Angola), manter-se-á como presidente daquele banco angolano, uma vez que a ameaça de não reconhecimento de idoneidade por parte do Banco de Portugal não é extensível àquela jurisdição, tutelada pelo Banco Nacional de Angola.
Mário Palhares, o banqueiro dos filhos do presidente
Fundador e presidente do Banco de Negócios Internacional (BNI) angolano, Mário Palhares foi administrador e vice-governador do Banco Nacional de Angola, o banco central do país, e fundador e presidente executivo do Banco Africano de Investimentos (BAI) e presidente do Conselho de Administração do BAI Europa, com sede em Lisboa. Participou ainda na fundação do Banco de Comércio e Indústria (BCI) em Angola.
É, desde a semana passada, o maior accionista local do Finibanco Angola, onde tem como parceiro o Montepio Geral.
Mário Palhares é um dos sócios da Pivot SGPS, o veículo de investimentos que comprou no início do mês o Banco Efisa, numa operação assessorada pela Abreu Advogados. Na Pivot, Palhares tem como sócios os britânicos da Aethel, uma sociedade constituída há um ano por Ricardo Santos Silva (ex-Banco Espírito Santo de Investimentos), Aba Schubert e António Bernardo, consultor da Roland Berger, responsável pelas regiões da América Latina, Angola, Moçambique e Portugal.
No início de Março ficou a saber-se que a participação de 30% de “Tchizé” dos Santos, filha do presidente angolano José Eduardo dos Santos, na criação do Banco Prestígio, em Angola, só foi possível através de um empréstimo concedido pelo BNI, o banco de Mário Palhares.
Amigo de longa data de Maria Luísa Abrantes, mãe de “Tchizé” dos Santos, Mário Palhares foi, ainda como presidente do BAI, um dos impulsionadores e principais consultores dos projectos e negócios da filha do presidente. “Tchizé” dos Santos foi, aliás, sócia fundadora do BNI e, mesmo depois de ter vendido as suas acções, manteve uma excelente relação com o banqueiro.
Com sede em Luanda, o BNI iniciou a sua actividade em Novembro de 2006, totalmente detido por investidores angolanos. Os accionistas fundadores do banco foram Mário Moreira Palhares (detentor de 45% do capital) e Welwitschea dos Santos (“Tchizé” dos Santos, filha do presidente angolano José Eduardo dos Santos, ex-deputada do MPLA, responsável do canal público de televisão TPA1 e sócia da Semba Comunicações, entre outros negócios), que ficou administradora não executiva e detentora de 13,3%.
Os outros fundadores foram o general João de Matos (7%), ex-chefe de Estado-Maior das Forças Armadas e ligado à Genius, a holding onde está também com o ex-governador do Banco Nacional de Angola, Mário Pizarro, e que detém importantes concessões diamantíferas, e interesses nas áreas das telecomunicações, imobiliário e energia; José Eduardo Paulino dos Santos (6,6%), também filho de José Eduardo dos Santos e sócio da Semba Comunicações; Arnaldo Sousa Calado (6%), administrador não executivo do banco e presidente da empresa estatal de diamantes Endiama; José Garcia Boyol (5%), vice-presidente do BNI e
presidente do Banco Privado Internacional de Cabo Verde; e Ricardo Viegas de Abreu, vice-presidente do BNI e antigo vice-governador do Banco Nacional de Angola, com 5,0%
Em Abril do ano passado, os accionistas do Banco de Negócios Internacional (BNI) decidiram aumentar o capital social, passando-o de 63 milhões de dólares para 150 milhões de dólares. Três meses depois, o BNI Europa começou a operar em Portugal, seguindo a estratégia anteriormente ensaiada com o BAI Europa.
A fortuna de Mário Palhares começou a construir-se pouco depois de terminada a guerra civil em Angola.
Em Maio de 2002, o então presidente e CEO da Sonangol, Manuel Vicente (hoje vice-presidente e um dos mais próximos colaboradores de José Eduardo dos Santos), fez uma parceria com os sul-africanos do grupo de construção Grinaker, o Banco Africano de Investimentos (BAI) e Mário Palhares, para a área da construção e das obras públicas. Cada um dos sócios ficou com 25% do capital da Grinaker Angola.
Meses depois, após constituída, a Grinaker Angola ganhou, em consórcio com a empresa portuguesa de engenharia Soares da Costa, um contrato para a construção da nova sede da Sonangol, uma torre de 21 pisos, na baixa de Luanda, que custou 83,5 milhões de dólares.
A mesma aliança Soares da Costa-Grinaker ganhou, em 2006, o contrato para a construção da sede da Sonangol P&P, a subsidiária operacional do grupo Sonangol. Um edifício de 14 pisos que exigiu um investimento de 56,6 milhões de dólares.
Manuel Vicente, além de presidente e CEO da Sonangol, era à data também o vice-presidente do Conselho de Administração do BAI, em representação da posição (minoritária de 8,5%) da Sonangol. “Tchizé” dos Santos, por seu lado, desempenhou um papel importante na promoção das Torres do Oceano e Dolce Vita, empreendimentos construídos em Luanda pela Ludomus, empresa de construção detida pelo grupo José Guilherme, tendo como gerentes Paulo Guilherme (filho do construtor José Guilherme) e Eurico Brito, ambos detentores de 15% da emissão de unidades de participação do fundo de participação constituído em Dezembro de 2013 para reforço do capital da Caixa Económica Montepio Geral. Recorde-se que esta operação é o epicentro da investigação em curso pelas autoridades, uma vez que, na sua origem, estão financiamentos do Finibanco Angola sob suspeita de branqueamento de capitais.
António Bernardo, o consultor banqueiro
Do grupo de amigos de Mário Palhares faz ainda parte o consultor António Bernardo, partner e presidente da Roland Berger Portugal, o qual está ligado indirectamente ao Finibanco Angola, através da private equity portuguesa Iberpartners, de que Bernardo é accionista juntamente com Jorge Armindo (ex-Amorim Turismo). A Iberpartners, detentora de 2% do Finibanco Angola, firmou um contrato de alienação das suas acções a Mário Palhares, em Setembro de 2013. No acto, ocorrido na sede do Montepio em Lisboa, estiveram presentes Alberto Teixeira (filho de Jorge Armindo e gestor em representação da Iberpartners) e Carlos Rodrigues, representante de Mário Palhares, accionista e administrador do BNI. Até hoje, a operação não foi liquidada.
O CEO da Iberpartners é João Barbosa, um ex-McKinsey, que foi assessor do secretário de Estado do Tesouro, de 2002 a 2004, no governo de Durão Barroso, e que transitou depois para o gabinete do ministro das Obras Públicas, António Mexia, de 2004 a 2005, no governo de Santana Lopes. Com a queda do governo, Barbosa seria depois colocado como consultor da administração da TAP e Refer, de onde sairia para o Banco Efisa.
António Bernardo é também um dos sócios da Pivot SGPS, o veículo de investimento que na semana passada adquiriu precisamente o Banco Efisa, onde tem como sócios Mário Palhares e Ricardo Santos Silva (ex-BESI).
Foi António Bernardo, enquanto líder da Roland Berger, que definiu a estratégia de expansão da rede Finibanco em 2007, o denominado “Projecto Crescere”, com o objectivo de preparar o Finibanco para a sua venda. Foi também o mentor da reorganização comercial da Caixa Económica Montepio Geral, em 2005. Só com estes dois projectos, a Roland Berger terá facturado aproximadamente cinco milhões de euros.
O consultor esteve na origem da aproximação da família Costa Leite a Tomás Correia, em 2008, o que culminaria, dois anos depois, na venda do grupo Finibanco ao Montepio Geral, uma transacção alvo de investigação pelas autoridades.
António Bernardo é cunhado de Fernando Santo, ex-secretário de Estado da Administração Patrimonial e Equipamentos da Justiça (do Ministério de Paula Teixeira da Cruz), que em Março de 2014 foi contratado para administrador da MGAI – Montepio Gestão de Activos Imobiliários e que, na semana passada, foi eleito para vogal do Conselho de Administração da própria Caixa Económica Montepio Geral, apesar de ser nula a sua experiência profissional na actividade bancária.
Enquanto administrador da MGAI, Fernando Santo contratou dezenas de quadros das entretanto extintas empresas municipais de Lisboa EPUL (empresa da qual foi director e assessor da administração entre 1995 e 2009) e Gebalis. Foi, aliás, Fernando Santo que, em representação do Montepio, negociou a permuta de terrenos na Praça de Espanha, entre o Montepio Geral e a Câmara Municipal de Lisboa. Na sequência desta operação, o Montepio pagou 12 milhões de euros à Camara Municipal de Lisboa, permitindo ao então presidente da autarquia e actual líder do PS, António Costa, reduzir o défice camarário.
Da actual administração, Fernando Santo, João Cunha Neves (que transita da administração anterior da CEMG e também administrador do Finibanco Angola), Luís Maia Almeida (administrador do Finibanco Angola e ex-director-geral do Banco da África Ocidental – Guiné
Bissau) e Luís Jesus (ex-auditor da KPMG, auditora actual da Caixa Económica e do Finibanco Angola) são apontados como da directa confiança de Tomás Correia, o que, a ser confirmado o registo individual por parte do Banco de Portugal, lhe poderá permitir manter o controlo sobre a gestão agora empossada.