Qualquer criança em idade escolar conhece as regras básicas da poupança: coloque o seu dinheiro no banco para render juros, que são pagos com o que o banco ganha emprestando dinheiro para outras pessoas. É muito simples.
Pelo menos, era. Agora as coisas estão a mudar, porque um número maior de bancos centrais começa a cobrar a quem faz depósitos nessas instituições, em vez de pagar. Teoricamente, trata-se apenas de mais um passo entre as várias tentativas de dar sustentabilidade ao crescimento económico tornando mais barata a contratação de empréstimos ou encorajando quem tem dinheiro a gastá-lo, em vez de guardá-lo. Contudo, ninguém sabe precisar qual o volume dessas taxas “negativas”, e há os que se perguntam se tal política não produzirá o efeito contrário ao pretendido.
“É uma coisa que me preocupa”, diz Olivia S. Mitchell, professora de economia empresarial e políticas públicas da Wharton. “Estamos acostumados a um ambiente em que se coloca um euro no banco e recebe aquele euro de volta”, diz ela. “Com taxas de juros negativas, os bancos vão cobrar uma taxa do tomador.”
“Creio que se trata de algo em que se deve pensar se a economia do país caminha em ritmo lento e se não há como estimulá-la”, observa Itay Goldstein, professor de finanças da Wharton. “Contudo, vejo com ceticismo a eficácia desse tipo de coisa.”
Em 2014, o Banco Central Europeu se tornou o primeiro grande banco de sua categoria a adotar uma política de juros negativos. Em dezembro, a instituição baixou novamente sua taxa, que é cobrada pelo dinheiro que mantém em depósito overnight para as instituições financeiras, reduzindo-a para – 0,3%. Suécia, Dinamarca e Suíça também usam taxas negativas. Na verdade, no final de 2015, cerca de 1/3 de toda a dívida emitida pelos governos da zona do euro teve rendimentos negativos, de acordo com a análise da Bloomberg.
No final de janeiro, o Banco do Japão anunciou que passaria a trabalhar também com taxas negativas. Quase ao mesmo tempo, a presidente do Federal Reserve [Fed, o banco central dos EUA], Janet Yellen, disse que o Fed estava estudando essa possibilidade, embora não tenha sinalizado para breve a redução das taxas.
Sinal de desespero
“As taxas negativas são um sinal de desespero, um sinal de que as opções políticas tradicionais se mostraram ineficazes e que novos limites devem ser explorados”, segundo a análise da Bloomberg. “Punem-se os bancos que acumulam dinheiro em vez de estender os empréstimos a empresas ou a tomadores mais frágeis. As taxas abaixo de zero jamais foram usadas em uma economia tão grande quanto a da zona do euro.”
Em outras palavras, não há registro histórico suficiente que permita dizer o que pode acontecer. As taxas negativas têm como propósito estimular o gasto, e não a poupança. Esse gasto ajudaria a aquecer a economia e a elevar os preços. A Europa e o Japão recorreram a taxas negativas para reduzir o risco da deflação e de inúmeros efeitos nocivos, tais como tornar o pagamento das dívidas mais oneroso ao longo do tempo.
Os bancos centrais têm controle direto sobre as taxas de juros de curto prazo, tais como as cobradas de instituições financeiras que mantêm depósitos em overnight nesses bancos centrais. Contudo, a redução das taxas de curto prazo tende a repercutir na economia levando a uma queda nas taxas de longo prazo regidas pela oferta e pela demanda. Isso se deve, em parte, ao fato de que as taxas de longo prazo sobre coisas como obrigações ou hipotecas baseiam-se em prognósticos do valor das taxas futuras de curto prazo.
“No momento em que você impacta o custo do capital para os bancos, isso afeta o preço de mercado dos ativos que eles compram e dos empréstimos que fazem”, diz Goldstein.
As taxas de juros mais baixas tendem igualmente a reduzir o valor da moeda, uma vez que a procura dos poupadores cairá à medida que procurarem melhores instrumentos de pagamentos em outras moedas. Uma moeda desvalorizada favorece as exportações e pode elevar a inflação ao tornar mais caras as importações. A decisão do Japão de adotar taxas negativas se deveu, em grande parte, a um esforço de desvalorização do yen ― embora tal estratégia pareça estar produzindo o efeito contrário.
Em termos práticos, uma taxa ligeiramente negativa não é muito diferente das taxas mais ou menos positivas que as poupanças de curto prazo ganharam ao longo de muitos anos. Afinal de contas, ganhar 0,1% não é muito melhor do que perder 0,1%. Depois de levar em conta a inflação ― refletida na chamada taxa de juros real ― os poupadores, na verdade, vêm perdendo dinheiro há anos.
Mesmo com taxas negativas, persiste o incentivo da poupança se um banco, fundo de mercado monetário ou obrigação de curto prazo, forem mais seguros do que uma ação, uma obrigação de longo prazo ou outro ativo. A poupança de curto prazo também pode ser mais acessível quando necessária. Portanto, um poupador que avalie as alternativas pode não se importar com as taxas negativas ― contanto que não sejam negativas demais. Contudo, isso não significa que a situação não seja incómoda.
O efeito das taxas negativas “depende inteiramente de quanto elas tenham sido reduzidas”, diz Mitchell. “O problema é que se houver inflação, o custo de vida sobe […] Tem sido muito difícil para pessoas como minha mãe, que distribuiu em diferentes datas o prazo de vencimento dos seus certificados de depósito e estava tentando viver dos juros em vez de sacar o principal. Os últimos oito anos foram difíceis” para pessoas que vivem de renda fixa.
De volta ao colchão
Há quem preveja que as taxas negativas ― se repassadas a clientes comuns dos bancos ― farão com que as empresas e o público deixem de recorrer à poupança tradicional. “Acho que o receio é de que as pessoas acabem por não colocar mais seu dinheiro no banco”, diz Goldstein. “Elas vão simplesmente guardá-lo. Vão pô-lo no colchão.”
Em tempos comuns, os poupadores usam os bancos e outros instrumentos monetários de curto prazo mesmo que a inflação corroa o valor da sua poupança, porque a inflação fará seu estrago ainda que o dinheiro esteja no colchão, ressalta Goldstein. Contudo, pode-se evitar o efeito de uma taxa negativa usando-se um colchão ou outra estratégia que não envolva a taxação da poupança, acrescentou.
“Uma vez que o valor nominal ou a taxa de juros [declarada] seja negativa, haverá uma perda adicional resultante da colocação do dinheiro em um banco”, diz Goldstein. Os bancos centrais que adotam taxas negativas estão, na verdade, fazendo um teste para “entender onde está o limite mínimo” ― o ponto em que o poupador decide que a vantagem de poupar é muito pequena.
“Há um custo real de armazenagem ―um custo decorrente de não pôr o dinheiro no banco”, diz Goldstein. Optar pelo ouro, por exemplo, exigiria o aluguel ou a compra de um cofre. Portanto, mesmo que os bancos cobrem uma tarifa sobre a poupança, o banco ainda seria uma alternativa melhor até certo ponto. “Ainda assim haverá um limite mínimo. As taxas, por exemplo, não podem ficar 10% negativas”, observa Goldstein.
“Se eles baixarem as taxas de juros o suficiente, começaremos a gastar” em vez de poupar, explica Goldstein. “As pessoas talvez invistam em imóveis. Podem pôr o dinheiro em ações, obrigações. Podem abrir uma empresa […] Na maior parte desses casos, a esperança é que estimulem a economia.”
Isso é bom, certo? O objetivo da taxa negativa não é fazer com que as pessoas com dinheiro o ponham para trabalhar ― construindo fábricas, contratando empregados, gastando com bens e serviços ou investindo em empresas?
É bom se a teoria se sustentar, mas é pouca a experiência disponível de que ela resistirá. De acordo com Christopher Swann, estrategista de gestão de fortunas da UBS, a estratégia pode dar errado se reduzir o lucro dos bancos ao estreitar a diferença entre as taxas que eles cobram de quem toma emprestado e as que pagam para obter dinheiro para os empréstimos. “Se os lucros forem muito prejudicados, os bancos podem reduzir os empréstimos”, escreveu Swann em um relatório de fevereiro.
Além disso, não se sabe ao certo se as taxas negativas podem levar os investidores das obrigações às ações, elevando os índices destas últimas. Na verdade, a redução do lucro dos bancos pode prejudicar efetivamente as ações, uma vez que esse tipo de banco nos EUA e no Japão se dedica, “em grande parte, à capitalização do mercado de ações”, disse Swann.
Outro receio diz respeito aos juros negativos: se forem generalizados, podem ter impacto sobre a inflação. Se o dinheiro estiver se desvalorizando, é menos provável que consumidores e empresas provoquem a elevação dos preços por meio de ofertas sucessivas por bens, serviços e mão de obra. Isso poderia desencadear uma deflação, que tem o efeito perverso de desestimular gastos, exatamente o oposto do que a política de juros negativa pretende. Em tempos de deflação, as economias encolhem.
Não há fórmula mágica
Portanto, as taxas negativas estimulam as economias conforme o pretendido ou teriam elas alguma consequência perversa não prevista?
“É difícil dizer”, observa Goldstein. “No fim das contas, a política monetária tem limites de ação.” Os bancos centrais mantiveram as taxas de juros em patamares históricos baixos durante anos, e o crescimento mesmo assim foi moroso. “Ela tem sua eficácia, mas não é nenhuma solução milagrosa.”
Goldstein prossegue: “A política monetária não é a única ferramenta de que dispomos. É preciso pensar também na política fiscal ― por exemplo, em criar um ambiente de negócios mais conveniente, diminuindo a regulação”, além de outras medidas.
No pior cenário possível, diz Goldstein, uma política de dinheiro fácil pode criar uma bolha de ativos ao permitir facilmente a elevação dos preços para coisas como casas e commodities. “Isso não estimula de fato a economia”, diz. Estimularia a inflação, e muito.
De que modo as taxas negativas afetariam as decisões rotineiras dos investidores em coisas como a divisão de um portfólio entre ações, obrigações e dinheiro?
“Com relação à alocação de ativos, não sei se há muita diferença entre o 0,1% que vimos ganhando nos últimos anos nos fundos de mercado monetário e o – 0,2% que podemos ganhar em um mundo de juros negativos”, disse Richard Marston, professor de finanças da Wharton. Não é certo, disse ele, que os bancos passariam efetivamente para os clientes os custos ligeiramente mais elevados dos depósitos interbancários.
É um território desconhecido, diz Mitchell, que teme a possibilidade de resultados indesejáveis, como uma corrida aos bancos. “Acho que está se formando uma grande confusão.”