A crise política e económica chega a um momento decisivo no Brasil

O Brasil está a viver um mês de março frenético no plano político e institucional. As manifestações em massa de domingo, dia 13 de março, contra a presidente Dilma Rousseff e contra seu predecessor, Luiz Inácio Lula da Silva, cada vez mais comprometidos pelo escândalo de corrupção da Petrobrás, companhia petrolífera estatal, e contra o Partido dos Trabalhadores, a que ambos pertencem, eliminaram qualquer dúvida que pudesse haver sobre o sentimento de crise generalizada no país.

 

Conforme explica Anita Kon, professora de economia da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), mais de quatro milhões de pessoas ― um milhão, de acordo com estimativas mais conservadoras ― saíram às ruas acompanhados pela família, e de forma pacífica, para expressar seu descontentamento com a “deterioração da situação política e econômica do país, mas, principalmente, contra a corrupção ― que envolve Dilma e Lula, políticos de todas as tendências e empresários ― e a favor da continuação das investigações criminais pela justiça dos casos de corrupção e de lavagem de dinheiro”.

 

A maior concentração ocorreu em São Paulo, onde o grito mais escutado entre os mais de 500.000 manifestantes foi “Fora Dilma”, embora chamasse também a atenção o boneco inflável do ex-presidente Lula vestido de presidiário. Grande parte da população culpa a presidente pela crise econômica em que se encontra mergulhado o país. Prova disso é que seu índice de popularidade, em torno de 10%, é o mais baixo já registrado por um governante brasileiro. Os últimos números do Produto Interno Bruto (PIB) são mais do que decepcionantes para uma potência emergente como o Brasil: em 2015, o PIB caiu 3,8% e acredita-se que, em 2016, o retrocesso seja de 3,45%, o que totalizaria dois anos seguidos de recessão.

 

O humor da população começou a ficar irritadiço na sexta-feira, dia 4 de março, quando a polícia buscou Lula em sua casa e o interrogou durante quase quatro horas sobre questões ligadas ao caso da Petrobrás. O Ministério Público (MP) divulgou um relatório acusando-o de ser “um dos principais beneficiários” de uma trama de corrupção que, supostamente, teria desviado R$ 10 bilhões (2,4 bilhões de euros) entre 2004 e 2012. Poucos dias mais tarde, em uma investigação paralela, o MP de São Paulo pediu a prisão preventiva de Lula pelo delito de lavagem de dinheiro mediante ocultação de patrimônio ― um apartamento de luxo no litoral e um sítio no interior de São Paulo ― e falsificação de documentos. O juiz do caso suspeita que as propriedades tenham sido presentes de empresas envolvidas na rede de subornos da Petrobrás.

 

No dia 16 de março, e como prova da imprevisibilidade do cenário político que se vive atualmente no Brasil, Lula foi nomeado ministro da Casa Civil de Dilma, o que lhe garantiria foro privilegiado e impediria que o juiz Sérgio Moro, à frente do caso da Petrobrás, o mandasse para a cadeia. Como ministro, Lula só poderia ser julgado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), mais lento em suas decisões. Contudo, depois do vazamento de conversas telefônicas entre Dilma e Lula que pareciam dar a entender que a nomeação era uma maneira de livrar o ex-presidente da justiça, milhões de pessoas, contra o governo e a favor dele, voltaram a se manifestar nas ruas. Meia hora depois da posse do ex-presidente, um juiz anulou, por meio de uma liminar, a nomeação de Lula. A decisão foi ratificada poucas horas mais tarde por um juiz do STF, que devolvia a jurisdição do caso ao juiz Sérgio Moro e deixava Lula sem imunidade. No dia 22 de março, porém, Teori Zavascki, ministro do STF, determinou ao juiz Sérgio Moro que enviasse para o STF a investigação sobre Lula.

 

Dilma, por sua vez, negou a interpretação dada à conversa telefônica com Lula e justificou a nomeação do ex-presidente ― ícone da esquerda brasileira e latino-americana ― com base em motivos políticos. Isso não impediu que, quase imediatamente, se retomassem os trâmites para um eventual impeachment da presidente, que já vinha se processando desde o ano passado, mas que havia sido suspenso em dezembro devido a “erros procedimentais” detectados pelo MP. Dilma é acusada de ter feito manobras fiscais (“pedaladas”) irregulares para ajustar as contas do governo em 2015. A votação no Congresso que decidirá o futuro de Dilma à frente do governo ocorrerá entre final de abril e princípios de maio. Até então, o governo terá de conseguir apoio dos partidos considerados aliados para bloquear o processo, algo que os analistas consideram muito difícil, principalmente sem o poder de persuasão e o carisma de Lula para convencê-los.

 

A questão que todos se colocavam nos últimos meses era se Dilma conseguiria sobreviver, e por quanto tempo, a esse inferno astral que deixa o país no limbo institucional. Os especialistas dizem que a resposta a essa indagação é muito complexa, o que gera, porém, maiores incertezas acerca do futuro do país. Para Juan Carlos Martínez Lázaro, professor de economia da Escola de Negócios IE, “estamos como em uma partida de futebol: não sabemos qual lado decidirá o jogo”. Para ele, se houver um julgamento político, conforme pedem os que saem às ruas, “teremos um cenário de novas eleições em que o resultado será bastante complicado. Atualmente, Dilma está perdendo apoio parlamentar (dos partidos que governam em coalizão com o PT), e isso complica muito a governabilidade e acrescenta uma paralisia a mais à situação política já bastante engessada e, portanto, à economia”.

 

Origem econômica da crise

 

Do ponto de vista da economia, a entrada de Lula no governo ― cuja nomeação depende da aprovação colegiada do STF a partir de 29 de março ― pode assinalar o retorno de suas antigas políticas baseadas na expansão do crédito e do gasto público, o que seria uma volta de 180 graus em relação às políticas restritivas aplicadas por Dilma desde que assumiu seu segundo mandato, no início de 2015.

 

Embora o governo Lula (2003-2010) tenha obtido grandes sucessos no plano econômico e social, com a incorporação de milhões de brasileiros à classe média, a maior parte dos economistas não vê com bons olhos a aplicação desse tipo de receita no momento atual. É o que pensa, por exemplo, Martínez Lázaro. Para ele, o grande erro de Dilma, principalmente a partir do seu segundo mandato, foi não ter adotado anteriormente políticas mais austeras. “Era preciso que se adotasse uma disciplina fiscal muito antes, quando as coisas começaram a ir mal, porém ela optou por uma linha mais política em razão dos comícios para sua reeleição e isso, de algum modo, pesou sobre a economia brasileira. Também é verdade que muitos dos desequilíbrios da economia foram gestados nos governos anteriores.”

 

Com relação a esse último aspecto, Martínez Lázaro explica que a expansão econômica que viveu o país durante a década de prosperidade foi impressionante, tendo chegado a crescer 7,5% em 2010, “mas os desequilíbrios foram se acumulando: as contas públicas nunca eram totalmente saneadas, a inflação persistente exigia que as taxas de juros fossem mantidas em patamares elevados e havia uma dependência exagerada de capitais e de venda de commodities”. Tal situação, acrescenta, “explodiu com a piora do cenário econômico mundial, com a instabilidade da economia chinesa, queda dos preços das commodities e com a grave seca que afeta o país devido ao fenômeno El Niño“. Além disso, em dezembro do ano passado, o país perdeu o grau de investimento depois que as principais agências de risco rebaixaram a nota soberana do Brasil.

 

Os casos de corrupção também contribuíram para a paralisação da economia. Inúmeros executivos das grandes construtoras e empresas de infraestrutura do país estão na cadeia ou estão sendo investigados no caso da Petrobrás, o que freou os investimentos em certos setores, que são grandes impulsionadores do PIB brasileiro, com exceção das obras vinculadas diretamente aos Jogos Olímpicos.

 

O resultado é que aos números ruins do PIB se somam outros igualmente sombrios: “A contração da indústria brasileira foi de 6,2%, enquanto a da construção civil e da indústria de transformação, foi de 8% e de 9,7%, respectivamente”, ressalta Kon. A taxa de desemprego, acrescentou a professora, passou de 6%, em dezembro de 2014, para 9% em outubro de 2015, acompanhada da aceleração da inflação que chegou a 10,67% em dezembro, de acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Atualmente, disse Kon, “a formação bruta de capital fixo teve um retrocesso de 14,1%, o que produziu uma taxa de investimento de 18,2% do PIB, consideravelmente baixa para as necessidades do país”.

 

Destruição criativa

 

“Tudo isso contribuiu para a formação de um coquetel realmente complexo”, observa Martínez Lázaro. “São coisas distintas, mas que acabam convergindo no final. Se houvesse estabilidade política, o governo poderia tomar medidas que agora não está tomando, o que gera desconfiança devido à incerteza em relação ao futuro: haverá impeachment? Quem será o novo presidente?”, todas essas indagações estão no ar. Cada dia que passa juntam-se a elas outras mais: Lula será ministro? Se o ex-presidente entrar no governo, teria ele condições de frear o impeachment, caso prospere?

 

Neste momento, a oposição faz uma leitura própria da repercussão que teria a nomeação até agora não concretizada de Lula como ministro e que, em sua opinião, o tornaria praticamente um presidente nas sombras, cuja missão seria substituir Dilma que, sem renunciar efetivamente, renunciaria na prática a seu cargo. Kon, da PUC-SP, também considera encerrado o segundo mandato de Dilma, mas por outros motivos: “O governo está inerte, paralisado, quando é preciso que tome medidas econômicas mais drásticas e duras, sobretudo pela dificuldade que tem diante de pressões políticas oriundas da Câmara dos Deputados, que se acha dividida por conflitos entre os partidos da base governista e a oposição e entre o Senado e a Câmara. O conflito e a divisão ocorrem também internamente, dentro do PT, partido da presidente.”

 

Para Kon, a maior parte da população, com exceção dos partidários do PT, e apesar de um provável período de instabilidade institucional, crê que a saída da presidente Dilma facilitaria a formação de “um acordo entre a maior parte dos partidos e a população no que diz respeito a adoção de medidas políticas e econômicas urgentes que tirem o país da situação de paralisia e o levem a crescer novamente a partir de 2017”.

 

Kon diz que as reformas são o caminho para sair do imbroglio institucional. A população, diz a professora, espera que as antigas estruturas econômicas, políticas e institucionais da nação, que já não são adequadas ao país e às condições atuais do mundo, sejam submetidas a um processo de “destruição criativa”, “pondo abaixo as bases ineficientes anteriores e criando novos sistemas adequados à época atual com perspectivas bem definidas para o futuro”.

 

Martínez Lázaro também pensa como Kon e explica que seria preciso fazer duas reformas fundamentais. A primeira delas seria de caráter econômico e consistiria em abrir, modernizar e reformar a economia para equipará-la às economias vizinhas do Pacífico, como a do Chile, Colômbia e Peru, “que também passam por dificuldades, mas que, por não estarem sob tantas intervenções e regulações, e sendo mais abertas, se encontram em melhor situação econômica e podem crescer com taxas de inflação menores e de forma ordenada, sem os desequilíbrios do Brasil”. A segunda reforma seria de índole política e consistiria em acabar com o sistema que promove a fragmentação parlamentar e obriga os partidos a “fazer pactos uns com os outros para garantir apoios, além de distribuir cargos e, provavelmente, conforme vimos nos casos recentes de corrupção, fundos através da estatal Petrobrás. Se o sistema não mudar, continuará a ser a origem de problemas futuros”, conclui.

 

(http://www.knowledgeatwharton.com.br/article/4772/?utm_source=kw_newsletter&utm_medium=email&utm_campaign=2016-03-23)