A já apelidada doutrina Felipe González vai marcar os sistemas políticos ibéricos. O ex-presidente do governo espanhol defendeu, no diário “El País”, que o ponto de saída para o impasse depois de eleições, em que nenhum dos partidos centrais teve maioria, e como alternativa ao bloco central, que nem um nem outro dos partidos (PP ou PSOE, no caso português PSD e PS) deverão impedir o outro de governar.
Após a vitória de Marcelo Rebelo de Sousa nas presidenciais de 24 de Janeiro, tudo mudou na política portuguesa.
Apesar das reticências de Bruxelas – pressionada pelo governo popular de Madrid a não dar cobertura e facilidades ao governo do PS com acordo parlamentar à esquerda, devido aos efeitos de contágio na política espanhola –, os serviços de informação acreditam que rapidamente se chegará a um consenso sobre o OE/2016, que será apoiado pelos partidos de esquerda no Parlamento.
Mas a rotura saltará à vista já a partir do Verão, com as contestações sindicais do PCP, que vai tentar distanciar-se da governação do PS para recuperar o seu eleitorado de protesto e disputar o espaço político ao Bloco de Esquerda (BE).
A partir de Setembro, provavelmente o PCP não aprovará mais nenhuma lei do governo Costa, nem mesmo um Orçamento Suplementar para cobrir o financiamento das necessidades da banca nacional e para corrigir a trajectória do défice, se se confirmarem os cenários de abrandamento da economia europeia e o colapso dos mercados bolsistas, com sérios impactos no financiamento da Segurança Social.
Nessa altura o papel do Presidente da República vai ser decisivo para obrigar o PSD a votar as propostas do governo, no âmbito das políticas relativas ao consenso europeu. E neste particular o extremismo de Passos Coelho, impossível de ser reciclado, implicará a sua substituição como líder do PSD, antes ou na sequência do Outono de 2016.
O recente relatório do Tribunal de Contas Europeu, demonstrando que o governo português não soube defender os interesses nacionais, coincide com a ideia de que Passos Coelho nunca teve uma ideia para Portugal e que se limitou a seguir a cartilha mais radical da agenda austeritária, que se provou ideológica e contraproducente na forma como foi implementada.
Admite-se que o novo Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, force mesmo o PSD a viabilizar o OE/2017, em nome da estabilidade política, mas, durante o ano de 2017, provavelmente o governo Costa não resistirá a uma moção de confiança na Assembleia da República, podendo o País ir para eleições gerais no Verão de 2017.
Neste caso, dada a relação entre o centro-esquerda e o centro-direita, desde os finais de 2016, o mais provável é que nenhum dos partidos centrais obtenha a maioria e que a posição do PCP tenha inviabilizado, por mais duas décadas, a possibilidade de um governo de esquerda no Parlamento. E neste caso – não obtendo a direita a maioria –, os cenários mais prováveis seriam o Bloco Central, ou a implementação da doutrina Felipe González.
Recorde-se que Marcelo Rebelo de Sousa sempre foi contrário ao Bloco Central, mas assentou toda a sua campanha eleitoral no discurso da renovação dos consensos de regime, que, desde José Sócrates, mas sobretudo com Passos Coelho, deixaram de existir.
Por isso o primeiro consenso entre PSD e PS que Marcelo vai tentar conseguir, se não mesmo impor, é o da doutrina González: nem o PS nem o PSD devem impedir que o outro governe.