“Intergovernamentalismo republicano” ou a inclusão dos parlamentos nacionais no processo de decisão europeu e a alternativa do reforço dos poderes do Parlamento Europeu

A crise da zona do euro testou severamente a autoridade política da União Europeia (UE). A crise levantou questões de legitimidade normativa, porque a UE é uma ordem normativa e a construção da União Económica e Monetária (UEM) repousava sobre uma teoria que salientou o valor normativo da despolitização da moeda. No entanto, esta teoria tem negligenciado a lógica normativa do jogo de dois níveis implícita na UEM. Ela também tem negligenciado a necessidade de uma ordem constitucional imparcial e publicamente aceitável, que reconheça as assimetrias que existem.

Por outro lado, qualquer reconstrução da constituição económica da UE tem que considerar a conciliação entre a ordem monetária europeia (federal) e a legitimidade da governança do Estado-membro (nacional).

A UE exige um contrato constitucional de dois níveis para incluir este padrão, defendem Richard Bellamy & Albert Weale, num artigo publicado no “Journal of European Public Policy”, 2015 Vol. 22, No. 2, 257–274, denominado “Political legitimacy and European monetary union: contracts, constitutionalism and the normative logic of two-level games”.

Os Estados-membros devem tratar como iguais e ser responsáveis ​​perante os seus cidadãos de uma forma equitativa. Estes critérios implicam que a legitimidade política da UE requer uma forma de democracia a que chamam de “intergovernamentalismo republicano”. Só com regras decorrentes de uma constituição política dos povos da Europa se poderia finalmente garantir a legitimidade política. Tal constituição política poderia ser realizada dando poderes aos parlamentos nacionais no processo decisório da UE.

 

Ver o artigo em http://www.tandfonline.com/doi/pdf/10.1080/13501763.2014.995118

 

Como alternativa a esta posição têm-se colocado alguns membros do Parlamento Europeu, que vêm defendendo que a alternativa à intergovernamentalização pós-Tratado de Lisboa seria uma revisão dos Tratados, no sentido do reforço dos poderes do Parlamento Europeu, passando a iniciativa e a capacidade legislativa para os parlamentares de Estrasburgo. O reforço do papel do Parlamento Europeu seria um método para ultrapassar o défice democrático da UE.

Sergio Fabbrini, professor de Ciência Política e Relações Internacionais italiano, escreveu esta semana que, embora existam críticas legítimas a serem feitas sobre modelos intergovernamentais de integração europeia, qualquer tentativa de criar um sistema de aproximação à democracia parlamentar nacional a nível europeu seria contraprodutivo. Ele argumenta que o que o projecto de integração exige é uma nova teoria que se move para além do impasse entre abordagens intergovernamentais e parlamentares.

“Parece que a única alternativa viável para a actual ‘intergovernamentalização’ da União Europeia (UE) continua a ser a ‘parlamentarização’: isto é, a evolução gradual da UE para um sistema de governo semelhante à democracia parlamentar num Estado-nação.” No entanto, se a UE realmente beneficiar de uma maior parlamentarização, será que o sistema se tornaria realmente mais democrático?

“Longe de ser um desenvolvimento positivo”, acrescenta Sergio Fabbrini, “eu diria que o modelo ‘parlamentarista’ da integração europeia constitui pouco mais do que uma tirania familiar. Os estudiosos e políticos que o apoiam baseiam a sua opinião no pressuposto de que a UE não é fundamentalmente diferente de um Estado-nação”. O argumento é, em grande parte, que o que funcionou em Londres ou Berlim também deve funcionar em Bruxelas. No entanto, esta perspectiva é politicamente irrealista e analiticamente errada, pois não reconhece a diferença fundamental entre um Estado-nação e uma União de Estados.

Esta é a diferença entre um Estado federal (emergindo da desagregação de um Estado unitário anteriormente) e uma União Federal (criada pela agregação de Estados anteriormente independentes). Empiricamente, Estados federais como a Alemanha, Áustria, Bélgica, Canadá e Austrália adoptaram um sistema parlamentar de governo, mas nenhuma das federações de agregação (ou sindicatos federais, como os Estados Unidos e a Suíça) o fizeram. Sindicatos federais adoptam, ao nível horizontal, uma marca específica de separação de poderes, dada a sua necessidade de evitar a formação de um governo forte e centralizado no centro da tomada de decisões – uma necessidade geneticamente menos relevante nos Estados federais.

Embora a parlamentarização não tenha sido o único caminho para a democratização dos sistemas políticos federais, no caso da UE, um mantra particular tem vindo a ser repetido, ou seja, que o Parlamento Europeu deveria tornar-se como os parlamentos nacionais, a fim de tornar a União democrática. Como os parlamentos nacionais elegem governos nacionais, a UE deveria eleger, assim, a Comissão e o seu Presidente. Na verdade, a eleição de Jean-Claude Juncker como presidente da Comissão foi saudada por alguns membros do Parlamento Europeu como uma maior aproximação a esta visão, dado o seu estatuto de “spitzenkandidat” do Partido Popular Europeu (PPE), que teve mais votos nas eleições de 2014 para o Parlamento Europeu.

A candidatura de Jean-Claude Juncker foi imposta sobre o Conselho Europeu. Dirigindo-se ao Parlamento Europeu no seu discurso, em 15 de Julho de 2014, Juncker observou que, pela primeira vez, havia “uma ligação directa que foi, assim, estabelecida entre o resultado das eleições para o Parlamento Europeu e a proposta para Presidente da Comissão Europeia… (Esta ligação) tem potencial para inserir uma dose adicional muito necessária de legitimidade democrática para o processo de tomada de decisão europeia, em conformidade com as regras e práticas da democracia parlamentar”.

No entanto, a Comissão Juncker não se tornou um executivo parlamentar. A sua composição foi decidida pelos Chefes de Estado e de Governo do Conselho Europeu, que nomeou o maior número de sempre de ex-primeiros-ministros nacionais e de ex-ministros como comissários. Pode-se até argumentar que a Comissão tem-se vindo a “intergovernamentalizar”, em vez de se estar a “parlamentarizar”. Além disso, o aprofundamento da crise grega demonstrou que os verdadeiros decisores têm acento no Eurogrupo e na Cimeira Euro (instituições intergovernamentais que não fazem parte dos tratados europeus), e não no edifício Berlaymont, que hospeda a Comissão Europeia.

Para piorar a situação, o Parlamento foi excluído das principais decisões sobre a política económica, dado o seu papel na representação de todos os cidadãos da UE, e o tema dizer apenas respeito à Zona Euro.

É por isso que a situação actual tem dado origem à sugestão de que os parlamentos nacionais dos Estados da Zona Euro devem ser envolvidos de alguma maneira directa na tomada de decisões a nível europeu – uma proposta que poderia enfraquecer ainda mais o papel do Parlamento Europeu em matéria económica.