Cenários pós-eleitorais

Para a coligação PSD/CDS, o que é crítico para o País que vai a votos no dia 4 de Outubro é mesmo a manutenção do clima económico actual. E nessa perspectiva, a coligação vai acentuar a necessidade de estabilidade política na próxima legislatura. Uma estabilidade que implica necessariamente um governo maioritário. Será ele possível?

Com as sondagens a dar o PS e a coligação praticamente empatados, os cenários pós-eleitorais preocupam Belém, que vai dando recados sobre a necessidade de se encontrar uma solução maioritária que não alarme os mercados internacionais e permita manter o ritmo de crescimento económico.

 

Crescimento económico forte vai manter-se

O choque da desvalorização do yuan apenas teve o efeito surpresa e afectou conjunturalmente as bolsas, mas a prazo a taxa flutuante da moeda chinesa, com tendência para a desvalorização, não afecta as nossas exportações, ao contrário do que se passa com os automóveis alemães, ou os bens de luxo franceses e italianos, e tem um efeito deflacionário na Europa, por força da redução dos preços dos bens importados da China, que beneficia as nossas taxas de juro. Por outro lado, a conjuntura do turismo muito favorável a Portugal e a boa cotação do País nas redes sociais e nos media estrangeiros garantem que o nível de crescimento das receitas do turismo se mantenha. Uma situação que está a trazer de regresso a Portugal imigrantes portugueses endinheirados da Europa, que estão a substituir a elite anterior dominante.

Acresce que as importações estão a ter um efeito deflator na Europa e em particular em Portugal, não só por causa da desvalorização do yuan, mas também pela queda dos preços do petróleo e de outras matérias-primas.

Com este clima de negócios tão favorável, as medidas restritivas que se anunciam para o próximo ano, decorrentes da Reforma da Administração Pública, ainda por fazer, e das reformas estruturais (fim das rendas da electricidade e das estradas e dos mercados profissionais condicionados, como a advocacia ou a medicina, por exemplo) só podem ter um impacto maior na confiança no País, por parte do investimento estrangeiro.

Mas os casos de justiça e, sobretudo, o falhanço na reestruturação do sistema financeiro, obrigando provavelmente a nova intervenção pública no sector, podem fragilizar o sistema político, se não for bem explicado ao eleitorado.

 

Uma coligação de Bloco Central é difícil

A posse de um governo de Bloco Central parece afastada do cenário político partidário para já, apesar do Presidente da República, na sua comunicação ao país no mês passado, ter insistido nele, dando mesmo como exemplo o que se passa actualmente em muitos países da União Europeia, como o caso da Alemanha. Mas essa situação em Portugal parece muito mais difícil. A redução da alternância democrática e a fragmentação interna dos partidos políticos nacionais, tendo o país acabado de sair de um Programa de Assistência Económica e Financeira (PAEF), parecem impedir o que foi natural na Alemanha, um país que vive o sucesso da sua estratégia europeia, beneficiando da conjuntura desfavorável dos seus parceiros – como economia de refúgio e com os juros a cair.

Nesse contexto e sendo necessário encontrar um governo que apresente um Orçamento do Estado para 2016 que cumpra o Programa de Estabilidade e Crescimento apresentado no Semestre Europeu (que não poderá ser alterado sem o voto de 70% dos Estados-membros representados no Conselho Europeu), as soluções apontam para um governo minoritário.

E aqui os cenários complicam-se. Se a Coligação Prá Frente Portugal (PSD-CDS) ganhar as eleições sem maioria absoluta, como indica a tendência crescente das sondagens, dificilmente a esquerda poderá viabilizar um governo maioritário e necessariamente o PS, mergulhado em forte contestação política interna e provavelmente num novo processo de escolha de uma nova liderança, não apoiará esse governo, nem viabilizará o Orçamento do Estado para o ano seguinte.

Se, por seu lado, quem ganhar for o Partido Socialista, com escassos votos relativamente à coligação, a situação é mais complexa e dependerá da dinâmica interna dos partidos que integram a própria coligação. Uma derrota pouco expressiva da coligação permitirá a Paulo Portas e a Passos Coelho manterem-se à frente dos partidos e nessa conjuntura, se o PS apresentar um governo minoritário, mesmo que viabilizado pela esquerda e com a abstenção do centro-direita, seguramente o PSD viabilizaria o Orçamento do Estado para 2016, desde que compridos os mínimos do PEC aprovado no Semestre Europeu.

Situação mais complicada poderá ser no caso de uma derrota mais expressiva. Neste caso, poderá não haver condições para viabilizar o Orçamento do Estado de um governo do Partido Socialista e a hipótese de um governo de iniciativa presidencial poderá ganhar consistência. Ferreira Leite, Silva Peneda, Carlos Costa, Guilherme Oliveira Martins ou alguma outra figura próxima do cavaquismo poderiam ser nomes adequados à chefia de um governo presidencial que elaborasse um OE/2016, de acordo com o diktat de Bruxelas, e governasse até ao Verão de 2016, altura em que o novo Presidente da República retomará os poderes de dissolução da Assembleia da República.

 

Presidenciais como segunda volta das legislativas

Mas, neste último cenário, a solução passará, antes de novas eleições legislativas, pelas presidenciais e estas serão certamente marcadas pelos resultados das legislativas de 4 de Outubro de 2015 e sobretudo pela evolução das conjunturas internas dentro dos partidos políticos.

À esquerda, com o avanço da ala católica de esquerda com Maria de Belém, como o CONFIDENCIAL avançou em primeira mão, Sampaio da Nóvoa fica mais restrito ao eanismo, num erro estratégico do qual só pode ser culpada Manuela Eanes, que levou o ex-Presidente da República a apoiar o antigo reitor da Universidade de Lisboa, ainda por cima num espaço que Marinho e Pinto também queria ocupar. Eanes e o eanismo tornam a cometer o mesmo erro que Manuela Eanes provocou com o PRD, quando tinham hipótese de integrar o próximo ciclo político, se tivessem esperado por uma solução consensual ou de “todos os portugueses”, que ainda pode ser protagonizada, ao centro, pelo provedor da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, Pedro Santana Lopes, mesmo que outros candidatos avancem à direita, como Rui Rio (nacionalista e regionalista) ou Marcelo Rebelo de Sousa (com demasiadas ligações à família Espírito Santo e sem experiência política).

Mesmo que Maria de Belém venha a ser prejudicada pelas suas ligações ao grupo de Saúde Espírito Santo e à Universidade Europeia (suspeita de alegado favorecimento na sua transformação em universidade em Portugal e da qual, a nível internacional, já se demitiu Bill Clinton, por causa do escândalo do subprime no ensino, em que o grupo Laureate foi acusado de se financiar à custa do crédito bancário a indigentes e desempregados), o certo é que ela será uma candidata que retira votos socialistas à esquerda, que, numa segunda volta, poderão vir a votar em Pedro Santana Lopes, mas que dificilmente irão para Rui Rio ou Marcelo Rebelo de Sousa.

Mas se Pedro Passos Coelho que, actualmente, não pretende abandonar a liderança do PSD, tiver que assumir as consequências de uma derrota expressiva, então, nessa altura, a corrida à liderança do PSD pode colocar frente a frente alguns dos potenciais candidatos presidenciais da área da coligação.

A tendência das primárias nos partidos e sobretudo o papel determinante nas legislativas do candidato a primeiro-ministro estão a criar um tropismo presidencialista em Portugal – que, aliás, acompanha a evolução dos sistemas políticos na Europa nos últimos cinco anos.

A discussão da liderança do PSD poderia, no caso de Passos Coelho se retirar, permitir que algum dos candidatos possíveis se apresentasse a votos dentro do Partido Social Democrata, ou criando um novo movimento ou partido político, não para ser candidato a primeiro-ministro, mas para assumir uma candidatura a Presidente da República, que só tem que ser apresentada até 30 dias antes das eleições (ou seja, as assinaturas só têm que ser entregues no Tribunal Constitucional em Dezembro, mais de 75 dias depois das legislativas e a tempo de ser fazerem primárias no PS), ou escolher um novo líder para o PSD ou mesmo para a realização de primárias no PSD (se vingasse a tese de Rui Rio).

 

Casos de justiça voltam a ensombrar campanha?

Neste momento, a tendência é para o empate, o que, em face de uma conjuntura economicamente mais favorável e de crescimento económico, permite-nos antecipar uma vitória eleitoral possível da coligação.

Acresce que alguns casos judiciais podem rapidamente aparecer publicamente, numa ofensiva de Joana Marques Vidal para arrumar investigações em curso na Procuradoria-Geral de República, ligadas ou não à Operação Marquês, ao BPN e ao BES.

A possibilidade do processo Marquês (Sócrates) vir a envolver António Costa para depois derivar para casos referenciados da gestão socialista do Ministério da Justiça (por exemplo, o contrato de arrendamento do Campus da Justiça, que envolve os irmãos Lamego e Alberto Costa, todos próximos do actual líder socialista),  ou mesmo negócios na Câmara de Lisboa (licenciamentos de obras do Grupo Espírito Santo ou na Feira Popular, por exemplo), são possibilidades que a inteligentzia não descarta no momento.

Mas Joana Marques Vidal deverá ponderar bem se, a dois meses das eleições, vale a pena envolver António Costa em algum caso, quer pela rivalidade do seu pai (Marques Vidal) com o coronel Pedroso Marques (que vive actualmente com a mãe de António Costa e pode fazer revelações surpreendentes), quer pelo facto de sem provas consistentes estar a fazer o jogo do próprio PS em apuros nas sondagens.

A linha de investigação que estava a ser seguida era a de chamar à colação, por exemplo na vertente das obras públicas, ministros socialistas como Manuel Pinho (que poderia apanhar os negócios dos PIN do AICEP ou o GES), ou Mário Lino, mesmo que essa investigação chegasse à Ascendi (BES e Mota e Companhia), ou à Mota e Companhia (Ponte Vasco da Gama e Porto de Lisboa entre outros), dossiers que poderiam ir mais longe no financiamento do Partido Socialista.

Contudo, admitimos que esta linha pode já ter perdido o seu momento, a dois meses de eleições, e a prisão de ex-ministros socialistas pode não ter grande impacto, como aliás já aconteceu com a prisão com pulseira electrónica de Armando Vara.

A possibilidade de voltar à solução habitual (já o fizeram no mandato anterior com Sócrates) de acusar meios socialistas de “conspiração contra o Estado democrático” parece não passar na opinião pública, pelo que o Ministério Público não deverá voltar a cair no mesmo erro.

Mas o caso Sócrates tem que ter uma evolução rápida, até porque, como se verificou na semana passada, a extrema-direita (Luís Pinto Coelho) começa a estar do lado do establishment, quando se manifestou a favor da prisão do ex-primeiro-ministro em Évora.

Seja como for, Joana Marques Vidal chamou os seus procuradores a Lisboa para uma nova ofensiva da justiça.

Nos processos de Ricardo Salgado e do GES, o facto de Ricardo Salgado poder vir a beneficiar do erro legal da sua prisão domiciliária (o juiz Carlos Alexandre dificilmente tinha poderes para o prender em casa, quando o Ministério Público não pediu, conforme abundante jurisprudência dos Tribunais portugueses), lançou os alertas todos no Ministério Público. A eventual procura de novos indícios para lhe confirmar a prisão preventiva pode ser um dos objectivos da investigação nesta altura, estando todos conscientes que, se Ricardo Salgado estiver preso (sobretudo em prisão efectiva), a sua defesa poderá ser muito mais difícil do que se se mantiver em liberdade.

Todos estes casos judiciais acabam sempre por prejudicar o secretário-geral do PS ou o Presidente da República, e valorizar o papel independente do Governo e do primeiro-ministro Pedro Passos Coelho, o que naturalmente pode influenciar os resultados de 4 de Outubro e os cenários que se seguirão.