As tendências recentes destacam o futuro do “presidencialismo” na política democrática na Europa

Não existe em Portugal político mais intuitivo que Pedro Santana Lopes. Na semana passada, na sua coluna de opinião no “Correio da Manhã”, escrevia sobre a evolução do sistema político: “Este encontro com a Presidente (da Finlândia) Tarja Halonen tinha ainda mais interesse, por ser ela a primeira Chefe de Estado a exercer o cargo depois da reforma constitucional de 2000, que tinha limitado o poder do presidente. Essa limitação surgiu, entre outras razões, pelo facto de não ser pacífico quem deveria representar o país nas reuniões do Conselho Europeu. A mesma questão, aliás, tinha-se colocado em França, outra pátria do semipresidencialismo. A Finlândia acabou por resolver como a França: passaram a ir o Presidente e o primeiro-ministro. Hoje em dia tudo evoluiu no caso finlandês no sentido de ir só o Chefe de Governo, ao contrário do que aconteceu em França. Mesmo em Política Externa e de Segurança, os poderes do Chefe de Estado da Finlândia foram, portanto, limitados: manteve competências nessas áreas, mas repartidas com o Governo. O caso finlandês prova que os sistemas de Governo podem evoluir. Uns passam de um maior ascendente presidencial para um reforço do papel do primeiro-ministro e noutros pode acontecer o inverso. Os sistemas não são estáticos e, quando o são, é sinal de que já perderam a vitalidade. Por isso mesmo, nunca é de excluir a possibilidade dessas metamorfoses. Mais ainda quando está em causa um sistema como o semipresidencial que, pela sua natureza – com o Parlamento e o Presidente da República eleitos por sufrágio universal e directo –, comporta grande dose de elasticidade.”

A presidencialização pode vir, com efeito, de dois modos: por um lado, porque os sistemas de partidos se esgotam e, por outro, por via da mediatização dos líderes partidários e da alteração do sistema de selecção dos líderes políticos com as primárias nos partidos.

A questão das necessidades de governabilidade dos sistemas políticos democráticos, com efeito, está de novo presente no debate sobre a crise. O facto das coligações centrais, bloco central ou grande coligação, estarem a tomar conta dos governos, exclui a alternância democrática e começa a colocar verdadeiramente um maior problema político: o da natureza democrática da governação. A falta de alternância leva ao poder absoluto das elites, à captura do poder por clientelas e à falta de limites democráticos ao exercício do poder, que a Lei por si não assegura e que a moral não resiste.

Por essa razão, bloqueado o sistema dos partidos por via da sua fragmentação e da criação de coligações centrais com os velhos partidos do rotativismo ou da alternância democrática das democracias liberais do pós-guerra (entre sociais-democratas e democratas-cristãos), a resposta que se começa a desenhar no horizonte é necessariamente a do presidencialismo.

 

Presidencialismo por via partidária

Os sistemas políticos europeus estão agora a tornar-se mais “presidencialistas”? O movimento na direcção da presidencialização não é exclusivo de sistemas democráticos em colapso e cuja governabilidade implica a destruição da alternância e, portanto, uma ditadura a prazo. Estamos a verificar, sobretudo em Itália e em França, uma presidencialização dos sistemas semipresidenciais, mas, na opinião do CONFIDENCIAL, isso é parte de uma tendência mais ampla em toda a Europa Ocidental, e que Santana Lopes parece já antecipar em Portugal, quando diz que a evolução pode ser feita num ou noutro sentido (sendo ele um confesso defensor do parlamentarismo clássico).

Algumas tendências transnacionais estão a mudar os partidos políticos em todas as democracias ocidentais. Muitas dessas mudanças beneficiam as cúpulas, que são agora capazes de ganhar legitimidade popular e exercer mais poderes do que no passado. Na verdade, as selecções para a liderança dos partidos costumavam ser um processo intra-elite oligárquica (nos Congressos e depois com a eleição directa entre militantes do líder). Porém, agora um número crescente de outros membros da sociedade civil pode participar directamente na selecção do, digamos, líder do partido, sobretudo depois da introdução das primárias, como já aconteceu com a escolha de António Costa no Partido Socialista e, esta semana, exigia no PSD um próximo de Rui Rio, para a sucessão de Passos Coelho, em caso de derrota da coligação nas legislativas.

Mesmo que António Costa (escolhido pela maioria dos simpatizantes contra a maioria dos militantes do PS, que votaram em Seguro) se tenha demonstrado incapaz e um flop político, a dinâmica da fulanização do candidato a primeiro-ministro introduz no sistema uma entropia presidencialista, que necessariamente vai mudar o sistema político.

Além disso, o processo de presidencialização dos governos democráticos traz uma mudança do poder e das responsabilidades políticas colectivas e individuais. Devido a factores de curto e longo prazo, tais como a “mediatização” da vida política, bem como o apelo carismático para a escolha, os líderes dos partidos estão a assumir o papel de quase únicos protagonistas no mundo democrático. Veja-se como Paulo Portas foi excluído dos debates televisivos das eleições legislativas, demonstrando que o que está em causa são candidatos a primeiros-ministros e não a representação parlamentar dos partidos políticos, num verdadeiro golpe constitucional.

Nós praticamente já não elegemos um partido, mas um candidato a primeiro-ministro nas legislativas. Assim, os líderes dos partidos estão a tornar-se nos actores mais relevantes em regimes representativos, dando também sinais sobre a maneira como a democracia em si é diversa da sua forma tradicional consagrada nas Constituições democráticas europeias.