José Dirceu pode envolver negócios brasileiros da PT, EDP, GES e BESI

 

A Polícia Federal (PF) prendeu na segunda-feira o ex-ministro José Dirceu, o irmão dele, Luiz Eduardo de Oliveira e Silva, e mais cinco pessoas, durante a 17.ª fase da Operação Lava Jato.

Alegadamente o ex-ministro “teria persistido” em continuar a cobrar luvas após deixar o Governo, diz o juiz, citado pela Rede Globo. O irmão servia de correio e ia às empresas pedir dinheiro, enquanto Dirceu estava preso. A PF admite que a actividade ilícita de financiamento do Partido dos Trabalhadores (PT), de Lula da Silva e Dilma Rousseff, continuou, mesmo depois da condenação de Dirceu no caso Mensalão.

O ex-ministro “repetiu o esquema do Mensalão”, disse, na segunda-feira, o procurador Carlos Fernando dos Santos Lima. Segundo ele, Dirceu foi um dos líderes e beneficiários do esquema, mesmo durante e após o julgamento do Mensalão. “A responsabilidade de José Dirceu é evidentemente, aqui, como beneficiário, de maneira pessoal, não mais de maneira partidária, enriquecendo pessoalmente.”

As investigações mostram que Dirceu indicou Renato Duque para a Directoria de Serviços da Petrobras e, a partir daí, organizou o esquema de pagamento de subornos. “Temos claro que José Dirceu era aquele que tinha como responsabilidade definir os cargos na administração Luiz Inácio [Lula da Silva]”, disse o procurador. O nome de Duque teria sido sugerido pelo lobista Fernando Moura, também preso nesta segunda-feira.

Questionado se o ex-presidente poderia ser investigado, Lima afirmou que “nenhuma pessoa está livre de ser investigada”. Sem citar nomes, o procurador disse que “há investigações em andamento, grande parte em sigilo”.

Nesta fase da Lava Jato, os investigadores focaram-se em irregularidades em contratos com empresas subcontratadas.

A PF afirmou que a JD Consultoria, empresa de Dirceu e do seu irmão, Luiz Eduardo de Oliveira e Silva, é suspeita de receber 39 milhões de reais por serviços que não teriam sido realizados. Silva também foi preso nesta segunda. O delegado da PF, Márcio Adriano Anselmo, citou as empreiteiras Camargo Corrêa, OAS, Engevix, UTC, como pagadoras de luvas à JD Consultoria.

 

40 mandados judiciais e negócios portugueses no Brasil

A PF cumpriu, esta semana, 40 mandados judiciais, sendo três de prisão preventiva, cinco de prisão temporária, 26 de busca e apreensão e seis de condução coercitiva, quando a pessoa é obrigada a prestar depoimento.

Dirceu poderá vir a levar os investigadores a verificarem os negócios da EDP no Brasil, bem como as compras e vendas da Vivo e da Oi, o que poderá eventualmente vir a implicar o ex-primeiro-ministro português José Sócrates, mas também os altos dirigentes do GES, BES e BESI, que intermediaram os negócios, ou da Portugal Telecom.

Encontram-se em prisão preventiva José Dirceu de Oliveira e Silva, Fernando Antônio Guimarães Hourneaux de Moura e Celso Araripe. Estão em prisão temporária Roberto Marques, Luiz Eduardo de Oliveira e Silva, Olavo Hourneaux de Moura Filho, Júlio César dos Santos e Pablo Alejandro Kipersmit. Falta apenas um mandado de prisão para ser cumprido em São Paulo. Até ao momento, o investigado não foi localizado, e a PF não divulga o nome dele. Ainda não há informações sobre as denúncias relacionadas com todos os presos.

No mandado de prisão para Dirceu, o juiz Sérgio Moro, que julga as acções da Lava Jato na primeira instância, diz que o ex-ministro “teria insistido em receber dinheiro das luvas em contratos da Petrobras”, mesmo após ter deixado o Governo, em 2005. A defesa já havia negado a participação do ex-ministro no esquema de corrupção investigado.

 

Prisões e transferências

A Justiça autorizou ainda a penhora de até 20 milhões de reais de oito investigados desta fase. “Não importa se tais valores, nas contas bancárias, foram misturados com valores de procedência lícita. O sequestro e confisco podem atingir tais activos até ao montante dos ganhos ilícitos”, refere o despacho de Moro.

Foram alvos de bloqueio a JD Assessoria e Consultoria, a TGS Consultoria e Assessoria em Administração, Júlio César dos Santos, Fernando António Guimarães Hourneaux de Moura, Olavo Hourneaux de Moura Filho, José Dirceu de Oliveira e Silva, Luiz Eduardo de Oliveira e Silva e Roberto Marques.

A PF informou que Dirceu foi detido em casa, em Brasília, onde cumpria prisão domiciliária por condenação no Mensalão. O mandado contra ele é de prisão preventiva – por tempo indeterminado. Já Luiz Eduardo de Oliveira e Silva foi detido em Ribeirão Preto (SP) e cumprirá prisão temporária, que tem uma duração de cinco dias.

A 17.ª fase da Lava Jato foi baptizada de “Pixuleco”, que, segundo as investigações, era o termo que o ex-tesoureiro do PT, João Vaccari Neto, usava para referir os pagamentos da corrupção ou luvas.

De acordo com a PF, esta fase concentra-se nos pagadores e recebedores de vantagens indevidas oriundas de contratos com o poder público, alcançando beneficiários finais e “laranjas” usados nas transacções.

Entre os crimes investigados, estão corrupção activa e passiva, formação de quadrilha, falsidade ideológica e lavagem de dinheiro. Foram decretadas medidas de sequestro de imóveis e bloqueio de activos financeiros.

Os investigadores querem saber se a empresa que tinha como sócios José Dirceu e o seu irmão, a JD Consultoria, prestou serviços a empresas que desviaram dinheiro da Petrobras, ou se os contratos eram apenas uma maneira de disfarçar repasses de dinheiro desviado da petrolífera pública.

No pedido de prisão do ex-ministro, Sérgio Moro afirma que as provas levantadas até agora na Lava Jato apontam que o ex-director de Serviços da Petrobras, Renato Duque, também investigado, foi indicado para o cargo por influência de Dirceu. Uma das directorias da petrolífera em que havia pagamento das luvas, segundo as investigações, era a de Serviços.

“José Dirceu teria persistido em receber sua parcela [das luvas], mesmo depois de ter deixado o cargo de ministro da Casa Civil”, escreveu Moro no despacho.

Segundo o juiz, os pagamentos a Dirceu foram confirmados por dois suspeitos de intermediar as luvas no esquema: Júlio Camargo, executivo da Toyo Setal, e o lobista Milton Pascowitch. Ambos firmaram um acordo de delação premiada, para contar o que sabem em troca de aligeiramento de eventuais penas.

Em Janeiro, o juiz federal Sérgio Moro decretou a quebra do sigilo bancário e fiscal da JD Consultoria, depois de as investigações revelarem pagamentos de companhias ligadas ao esquema de corrupção.

A JD Consultoria facturou 29 milhões de reais em contratos com cerca de 50 empresas nos últimos nove anos, segundo a defesa do ex-ministro.

A empresa declarou que os contratos com as construtoras não têm qualquer relação com os contratos sob investigação da Petrobras, e que os depósitos da Jamp Engenharia, empresa de um dos lobistas e delatores do esquema de corrupção, Milton Pascowitch, são referentes a um trabalho de consultoria.

Em depoimento à PF, o ex-dirigente da Toyo Setal, Júlio Camargo, outro delator da Lava Jato, contou que Dirceu usou “diversas vezes” o seu avião após ter deixado o comando da Casa Civil, em 2005. Camargo também relatou às autoridades que Dirceu interveio junto ao ex-presidente da Petrobras, José Sérgio Gabrielli, para que a multinacional japonesa Toyo garantisse contratos com a petrolífera.

 

Tentativas de evitar a prisão

Após as denúncias feitas por delatores, a defesa de Dirceu entrou com pedidos de habeas corpus preventivo para tentar evitar a prisão dele no escândalo de corrupção na Petrobras.

Segundo a Globo, o primeiro pedido foi negado pelo juiz Nivaldo Brunoni, convocado para actuar no Tribunal Regional Federal da 4.ª Região (TRF4), no dia 3 de Julho.

A defesa de Dirceu então avançou com um pedido de reconsideração da decisão, que também foi negado e gerou a possibilidade de outro recurso, o agravo regimental, julgado pelo colectivo da 8.ª Turma, em 22 de Julho. O desembargador Leandro Paulsen e o juiz convocado Rony Ferreira decidiram, por unanimidade, manter a decisão inicial da Justiça e encerraram o processo de Dirceu.

A última tentativa foi uma petição protocolada na Justiça Federal do Paraná, no dia 15 de Julho, para que o juiz Sérgio Moro analisasse a possibilidade da prisão de Dirceu.

Condenado no processo Mensalão, Dirceu cumpre, desde Novembro do ano passado, o restante da sua pena de 7 anos e 11 meses de prisão em regime domiciliar. Na acção penal, os ministros do STF consideraram-no culpado pela acusação de corrupção activa.

Ele foi apontado como o mentor do esquema de compra de apoio político operado no Congresso Nacional durante o primeiro mandato do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Na 16.ª fase, baptizada de Radioatividade e iniciada no dia 28 de Julho, a PF prendeu o director-presidente licenciado da Eletronuclear, Othon Luiz Pinheiro da Silva, e o presidente global da AG Energia, ligada ao grupo Andrade Gutierrez, Flávio David Barra.

O foco dessas investigações, segundo a PF, foram contratos firmados por empresas já mencionadas na operação Lava Jato com a Eletronuclear, cujo controlo accionista é da União.

Os dois presos são investigados por lavagem de dinheiro, organização criminosa e corrupção nas obras da usina nuclear de Angra 3, localizada na praia de Itaorna, em Angra dos Reis, no Rio de Janeiro.

 

A pista portuguesa

Em fases posteriores deverão ser analisados outros negócios, que envolvem portugueses no financiamento do PT ou de Lula da Silva, e que poderão eventualmente ter aproveitado a Ricardo Salgado e José Sócrates, entre outros. No caso estarão os investimentos da EDP no Brasil, a venda do Banco Boavista, a venda da Vivo e a compra/constituição da Oi, podendo eventualmente chegar a negócios imobiliários de outros grupos portugueses fora do universo Espírito Santo e mesmo ao Benfica e ao Estoril (na contratação de jogadores brasileiros e lavagem de dinheiro).

As autoridades brasileiras pediram também o apoio das autoridades de investigação judicial portuguesa no caso da internacionalização das empresas de construção brasileiras, cujo lobby internacional é criminalizado pela lei penal do Brasil. As duas visadas são a Camargo Corrêa, que comprou e destruiu a Cimpor para pagar a sua dívida (negócio já intermediado por Miguel Relvas), e a Odebrecht, que controlava directa ou indirectamente as construtoras Zagope e Bento Pedroso Construções e que, desde a construção da Via do Infante, no tempo de Cavaco Silva, se têm visto envolvidas em suspeitas de corrupção e luvas