A Europa na era dos plebiscitos

A Europa entrou na sua era dos plebiscitos. Os países desejam usar referendos para desafiar ou mudar as regras da União Europeia (UE), a fim de obter um tratamento especial. Mas Bruxelas e o fundamentalismo eurocêntrico resistem, embora já existam sugestões franco-alemãs de uma Europe à la Carte, ou a várias velocidades.

 

O confronto Berna-Bruxelas

O primeiro grande referendo foi realizado na Suíça, em Fevereiro de 2014, por influência do partido populista de maior sucesso na Europa, o Partido do Povo Suíço. Os suíços votaram a favor da imposição de quotas aos cidadãos da UE que trabalham na Suíça. A resposta de Bruxelas foi rápida e implacável. Todas as bolsas de investigação para alunos universitários suíços foram suspensas.

A Comissão Europeia deixou também claro a Berna que o acesso ao mercado único da UE e a livre circulação de cidadãos suíços acabaria, se os suíços unilateralmente discriminassem os cidadãos da UE.

Os suíços foram informados de que o Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias iria decidir sobre o litígio entre Berna e Bruxelas. Para já, dado que haverá eleições na Suíça, no Outono, o processo está aparentemente parado.

Mas se os suíços não revogarem a decisão do seu referendo e não aceitarem as regras comuns da UE, é certo que enfrentarão dificuldades.

 

O que vão decidir os gregos?

O segundo referendo terá lugar na Grécia, no próximo domingo. Se a Grécia voltar a recusar as propostas da UE, será difícil o país permanecer na Zona Euro e possivelmente até mesmo na UE, como advertiu o presidente Juncker.

A Grécia ficaria com o mesmo estatuto que a Macedónia ou a Turquia, vizinhos que não são membros da UE.

Bruxelas está a tratar a Grécia do mesmo modo que tratou a Suíça. Estas são as regras. Se um Estado as não quiser respeitar, por as considerar injustas, pode tomar essa decisão democrática e soberanamente. Mas, não se mudarão as regras em que a UE acredita, só por um Estado-membro as recusar.

É neste contexto que surge a proposta por carta do primeiro-ministro grego, Alexis Tsipras, onde este sugere um novo resgate “exclusivamente para pagar dívida”, que seria gerido no âmbito do Mecanismo Europeu de Estabilidade Financeira.

Na carta que dirigiu ao presidente do Eurogrupo, Tsipras pede para o Mecanismo Europeu de Estabilidade ser accionado, tendo em conta os “problemas financeiros urgentes” que a Grécia enfrenta, “na segunda metade de 2015 e em todo o ano de 2016”.

Em quatro pontos, a carta, assinada pelo chefe do governo helénico, nomeia os factores a que se deve a necessidade de financiamento urgente. O primeiro é a “ausência de desembolsos do segundo programa, desde 2014”. O governo aponta ainda que “a república não tem acesso ao financiamento de mercado, de acordo com o significado do Artigo 1 do Tratado do Mecanismo Europeu de Estabilidade”.

As outras duas razões procuram de alguma forma responsabilizar as entidades europeias, dizendo que “o programa expira a 30 de Junho e o pedido de extensão para concluir as negociações pendentes não foi aceite”.

Lê-se na carta que “o Banco Central Europeu (BCE) não prolonga a Assistência de Liquidez de Emergência” e que “acresce que o sistema financeiro grego é necessário para manter a estabilidade da Zona Euro”.

“Tendo em conta que 30 de Junho de 2015 foi o fim do prazo fixado na declaração do Eurogrupo de 20 de Fevereiro de 2015, para alcançar um acordo, a Grécia pede assistência financeira do Mecanismo Europeu de Estabilidade, na forma de um resgate de dois anos”, refere a carta enviada a Jeroen Dijsselbloem.

Atenas compromete-se a utilizar a verba que vier a ser calculada “exclusivamente para o serviço da dívida, tanto nas obrigações externas como internas”.

“Em conjunto com o empréstimo, a Grécia solicita ao FEEF (Fundo Europeu de Estabilização Financeira), para estruturar e redesenhar o perfil da dívida, no espírito das propostas da Comissão Europeia, para a tornar sustentável no longo prazo.” Por fim, o primeiro-ministro grego pede que sejam desbloqueadas verbas do resgate actual, apelando a uma “extensão por um curto período”, de modo a evitar “despoletar um processo de incumprimento”, tendo em conta que, até à meia-noite de 30 de Junho, Atenas teria de entregar 15,5 mil milhões de euros ao FMI.

Antes de assinar a carta, Tsipras garante que “a Grécia está plenamente comprometida com o serviço de dívida externa, de uma forma que assegure a viabilidade da economia, do crescimento e da coesão”.

A Grécia, com esta estratégia do Syriza, continua a negociar, apesar de, ao fim de cinco meses de negociações, ter conseguido apenas encerrar os bancos e reduzir os levantamentos nas caixas multibanco a 60 euros.

Ainda que a Europa não queira criar um problema geoestratégico com a expulsão da Grécia da UE (já que não seria possível afastá-la do Eurogrupo), o certo é que a Europa não poderá acertar com os gregos nenhum plano diverso do proposto antes das eleições gerais em Portugal e em Espanha, pelo que a Europa continuará a dizer que não alterará nenhuma das suas regras.

                                                      

A questão do Brexit

O terceiro referendo é o plebiscito de David Cameron, sobre a saída do Reino Unido da UE, o denominado Brexit (Britain Exit). O Reino Unido quer mudar as regras unilateralmente. A lógica interna inglesa pode atrapalhar o processo. O influente mayor de Londres, Boris Johnson, tal como Alexis Tsipras, diz também que a Grã-Bretanha deve dizer “Não” à Europa, retirando espaço ao próprio primeiro-ministro. Até porque Johnson parece estar a posicionar-se para o jogo da liderança pós-Cameron.

Mas pode-se sentir um endurecimento na Europa, especialmente por parte dos mais recentes Estados-membros da UE, como a Eslovénia e a Polónia. Parecem fartos de ser frequentemente prejudicados por membros fundadores ou pelos autoproclamados Estados grandes da UE, como a Grã-Bretanha.

São estes Estados que estão a exigir aos suíços que aceitem as regras da UE, sob a ameaça de serem marginalizados. São eles que estão a exigir aos gregos que respeitem as regras, sob a ameaça de saírem da última fase da União Económica e Monetária. E, provavelmente, não serão menos claros com Londres.

Aliás, o primeiro-ministro português tem acompanhado estas posições mais duras relativamente aos gregos e criticou os suíços, até porque a comunidade portuguesa pode ser afectada. E prevendo a posição dura de Passos Coelho, o “Financial Times” esta semana já acusa o PM português de ser o mais radical relativamente à Grécia, no que pode ser lido numa tentativa de desgaste para evitar consequências posteriores.

Há boas razões para fazer cumprir as regras de um grande clube, mas independentemente da forma como olharmos para cada um destes casos, o facto é que os três referendos têm potencial para mudar aspectos fundamentais da Europa.