O chamado “Relatório dos Cinco Presidentes”, de autoria de Jean-Claude Juncker, Donald Tusk, Jeroen Dijsselbloem, Mario Draghi, e Martin Schulz, foi publicado em 22 de junho, delineando planos para o fortalecimento da União Económica e Monetária (UEM). Embora algumas das propostas combinem ambição com realismo, outras são demasiado vagas, e existem áreas, tais como o futuro papel do BCE, que merecem melhor atenção. Existe ainda o risco de alguns países da UE não terem apetite por mais mudanças na governança europeia e das propostas poderem ser entendidas como um desafio ao Reino Unido.
Desde que a crise grega entrou em erupção pela primeira vez, no Outono de 2009, a UE pôs em marcha uma série de novos mecanismos de governação, destinados a tornar a UEM mais eficaz e mais resiliente. No entanto, de comum acordo, nada mais foi feito. As últimas propostas vêm agora na forma do chamado “Relatório dos Cinco Presidentes”, divulgado a 22 de Junho.
O relatório contém planos actualizados para completar a UEM da Europa em três etapas, até 2025, e tem por objectivo lidar com muitas das falhas expostas pela crise no projecto original da UEM. Segue o “Relatório dos Quatro Presidentes” sobre a realização da UEM, publicado em 2012. Os quatro presidentes eram os do Conselho Europeu, da Comissão Europeia, do Banco Central Europeu e do Eurogrupo – órgão que reúne os ministros das Finanças dos países da Zona Euro. Desta vez, Martin Schulz, presidente do Parlamento Europeu, aparece também no rosto do documento.
Embora tais planos tenham sido, de um modo geral, bem recebidos pelo Reino Unido, que deseja ver a restauração da estabilidade através do Canal da Mancha, as propostas também são uma fonte de alguma ansiedade. Um dos temas na agenda da renegociação do Reino Unido é ter a certeza de que as novas medidas acordadas pelo Zona Euro não colocam o país em desvantagem. Algumas delas podem não ter a visibilidade dos debates em torno da imigração e dos seus benefícios, mas poderiam ser potencialmente mais perturbadoras, e talvez até mesmo mais ameaçadoras, para os interesses do Reino Unido, como é o caso da perspectiva de regulamentações financeiras hostil para a cidade de Londres (e o seu estatuto de offshore).
O Relatório de 2012, dos quatro presidentes, propôs uma maior integração em quatro áreas principais:
(1) União bancária;
(2) Integração mais estreita das políticas orçamentais, incluindo uma possível capacidade orçamental adicional a nível da Zona Euro e a criação de um instrumento de dívida comum (uma forma limitada de Eurobond, os chamados Eurobills);
(3) Uma melhor coordenação da política fiscal em alternativa a outras políticas económicas;
(4) Um reforço da legitimação e da responsabilidade democrática – potencialmente provocando pelo menos mais um grau de união política (recorde-se que para haver mais federalismo fiscal é necessário, de acordo com o Tribunal Constitucional alemão, um aprofundamento democrático da União Europeia).
No final, apenas houve progresso na dimensão da união bancária, com a criação de uma nova estrutura para a supervisão prudencial dos bancos (o mecanismo único de supervisão, com o Banco Central Europeu no cimo de uma rede de supervisores nacionais), e com uma abordagem comum à resolução de bancos falidos (o mecanismo único de resolução, ensaiado pela primeira vez no BES). Alguns dos Estados-membros fora da Zona Euro concordaram em participar voluntariamente nestas iniciativas, embora não seja nenhuma surpresa que o Reino Unido não tenha entrado.
As mesmas grandes propostas aparecem no novo relatório, mas algumas das componentes mais controversas foram retiradas ou esbatidas. Não há qualquer menção de novas capacidades fiscais (federalismo fiscal), nem a mutualização da dívida. Em vez disso, há uma proposta vaga para criar uma “função de estabilização fiscal”, cujos detalhes serão trabalhados por um grupo de peritos, a ser criado no tempo devido. Os princípios para a estabilização fiscal incluirão um quadro fiscal que penaliza as transferências transfronteiriças permanentes – claramente destinado a acalmar as preocupações dos países credores –, bem como assegurar o cumprimento das regras orçamentais da UE e comum (NB: não só Zona Euro). A discussão também deixa claro que as novas disposições não devem ser utilizadas para a gestão de crises.
Duas das novas propostas destinam-se a completar União Bancária. O primeiro desenvolvimento propõe estabelecer um esquema de seguro de depósito comum para complementar as protecções oferecidas aos depositantes por agências nacionais. Esta foi uma das ideias originais para a União Bancária, que não conseguiu reunir apoio suficiente depois de 2012, em razão do risco moral de alguns países devedores se aproveitarem dos países com excedentes. A nova proposta sugere fazer um regime comum na forma de um resseguro para o seguro nacional dos depósitos, fornecendo financiamento quando o sistema nacional estiver com problemas, ao contrário da criação de uma estrutura supranacional abrangente, vindo os contributos do sector bancário, em vez do sector Estado, o que é uma solução de compromisso razoável e que deve tornar mais fácil a sua aprovação.
O segundo desenvolvimento será o que é chamado de “mecanismo de financiamento ponte” para ultrapassar as barreiras do fundo de resolução único, já acordado no final de 2013. Os críticos queixaram-se que o fundo de resolução é muito arriscado, por ser muito pequeno e muito lento na sua construção final (levaria dez anos e, portanto, não estaria plenamente operacional antes de 2025). Há uma lógica clara para disponibilizar o mais rapidamente possível o dinheiro, dada a precariedade contínua de muitos bancos europeus.
Se ambas as propostas avançarem, o resultado será um sistema bancário da Zona Euro mais integrado e flexível e seria o percorrer um longo caminho no sentido de quebrar o “doom-loop” que os problemas no sector bancário causam às finanças públicas (pense-se na Irlanda, Espanha e Chipre), ou problemas que as finanças públicas causaram na fragilidade bancária (Grécia). Mas o acordo será difícil de alcançar, pelas mesmas razões anteriores, ou seja, os países credores terão medo de serem colocados em risco, mesmo que o plano seja, em última análise, financiado pelo sector financeiro, em vez de o ser pelos contribuintes. Normalizar o mercado de empréstimos bancários é, no entanto, vital para o crescimento económico e para reduzir os níveis perigosamente elevados de desemprego em muitos Estados-membros.
O relatório também enfatiza a importância do Mercado de Capitais da União, que está no topo da agenda do comissário europeu do Reino Unido, Lord Hill. Noutras áreas monetárias integradas, como na do dólar norte-americano, os fluxos financeiros privados mitigam muitas das consequências de um choque assimétrico, que afecta apenas certas regiões, mas os fluxos transfronteiriços deste tipo têm sido mais limitados na Zona Euro, inibindo um importante mecanismo de ajuste. Não sendo varinha mágica, um desenvolvimento dos mercados de capitais europeus deverá, a prazo, complementar outros mecanismos.
Em matéria de política fiscal, os cinco presidentes são mais prudentes do que o relatório de 2012. Reiteram a importância da disciplina orçamental – referindo-se a «políticas orçamentais responsáveis». Além da nova abordagem sugerida para a estabilização fiscal, propõem a criação de um Conselho Fiscal Europeu, que actuará como uma verificação independente sobre a condução da política orçamental. Muitos países, como Portugal, já criaram os seus próprios Conselhos das Finanças Públicas (equivalente do Reino Unido é o Instituto de Responsabilidade do Orçamento – OBR), duplicando as funções do Tribunal de Contas, de tradição francesa, mas eles diferem no seu alcance e influência. Ao OBR inglês ou ao CFP português, por exemplo, foi dada a responsabilidade de verificar as previsões oficiais, bem como a de analisar os planos orçamentais do governo.
Os cinco presidentes advogam que este novo Conselho se justifica, pois irá “levar a um melhor cumprimento das regras orçamentais comuns e resultará numa coordenação mais forte das políticas orçamentais nacionais”, já enquadradas no semestre europeu. Porém, não chega dizer que ele facilitaria a definição de uma política orçamental comum da Zona Euro; um estímulo fiscal colectivo pode ser necessário, hoje, para impulsionar o crescimento económico. E isso, argumentam alguns, não pode ser alcançado enquanto as decisões sobre as posições fiscais estiverem a cargo das autoridades nacionais. O consequente perigo é que as ideias dos cinco presidentes sejam vistas (justamente ou não, mas é muitas vezes a percepção que importa e não tanto a intenção) como uma proposta fora da narrativa de austeridade em vigor. Aliás, quando recentemente estivemos em Bruxelas, um assessor do vice-presidente indicou exactamente esse sinal de flexibilidade.
Há também um indício de que o novo Conselho Fiscal da UE deveria contribuir para um “debate público informado”. Isso seria bem-vindo, mas a nova direcção terá de demonstrar a sua independência, nomeadamente, em relação à Comissão Europeia, se quiser tornar-se uma voz distinta e credível.
Duas outras inovações institucionais discutidas são um movimento em direcção à representação da Zona Euro comum nas instâncias externas, como no Fundo Monetário Internacional, e, mais uma vez, a tentativa de concretização de um Tesouro da Zona Euro. Este último objectivo, altamente controverso, apesar de os cinco presidentes afirmarem firmemente que as decisões fiscais e sobre os encargos iriam continuar a ser tomadas a nível do Estado-membro. Uma possível implicação de um novo Tesouro é a necessidade de nomear um ministro das Finanças da Zona Euro, mas esta não é examinada no relatório.
Ao longo dos últimos anos, o Banco Central Europeu tem expandido enormemente o seu papel de governança, não só nas competências formais associadas à união bancária, mas também, por exemplo, sendo uma das três instituições da Troika, supervisionando o ajustamento macroeconómico dos programas nos países intervencionados. Porém, o tema das competências do BCE não é abordado no relatório de 2015.
Um dos principais desafios para completar a união monetária será obter apoio público para o que muitas vezes são medidas politicamente difíceis. As propostas dos cinco presidentes em torno da legitimação e da accountability são semelhantes às estabelecidas em 2012, referindo-se ao papel dos parlamentos nacionais e do Parlamento Europeu. A falta de progressos sobre esta componente de uma UEM mais próxima dos cidadãos é, em si, uma fonte de consternação em várias capitais nacionais, embora os cinco presidentes notem que o direito (já acordado) de chamar os comissários europeus aos parlamentos nacionais deve ser usado mais frequentemente.
Vale a pena lembrar que todas estas propostas serão adicionadas ao conjunto de mudanças de governança já introduzidas desde 2010. O pacto orçamental estabeleceu, apesar do veto de David Cameron em 2011, outras reformas que estabeleceram um sistema mais rigoroso de acompanhamento e coordenação das políticas orçamentais nacionais, enquanto as inovações de governação complementares foram concebidas para reduzir os desequilíbrios macroeconómicos prejudiciais, como a criação do Mecanismo Europeu de Estabilidade (MEE), um fundo permanente para ajudar países que enfrentam problemas em financiar os seus empréstimos, e um acompanhamento anual mais sistemático da política económica nacional através do processo de “semestre”. Muitas destas novas disposições foram introduzidas fora dos tratados europeus, por exemplo, por meio de novos tratados, como o Acordo sobre a Resolução dos Bancos, o Pacto Orçamental ou o Tratado sobre o Mecanismo Europeu de Estabilidade. Uma outra sugestão apresentada pelos cinco presidentes é a de integrar alguns destes tratados no quadro jurídico da UE, algo que poderia muito bem ser visto como provocatório para o Reino Unido, se não for tratado com cuidado.
Para muitos governos nacionais, a vontade de mais mudanças é limitada, e isso pode fazer com que alguns não aceitem reformas mais amplas. Insiders em Bruxelas parecem estar de acordo, no entanto, de que esta poderia ser a última oportunidade de estabelecer um sistema duradouro para a governação do euro. Mas os cinco presidentes em 2015 são menos ambiciosos do que os quatro em 2012 e esta é provavelmente uma sábia herança de Barroso: baixar as expectativas e não prometer de mais, para não criar maiores adversidades.