A construção de um modelo de resposta à crise da União Europeia está a levar o eixo franco-alemão a ponderar um plano que volta a propor uma arquitectura europeia de geometrias variáveis.
A “Europa a várias velocidades” está em cima da mesa. Com efeito, Emmanuel Macron e Sigmar Gabriel apresentaram uma nova proposta radical de reforma da UE, que poderá ajudar a reviver o projecto social-democrata na Europa. As ideias que apresentam são diferentes das de François Hollande e Angela Merkel. Enquanto Hollande e Merkel, ao excluírem qualquer alteração do Tratado da UE, foram um balde de água fria sobre Downing Street, a proposta Gabriel-Macron oferece não só uma alteração substancial dos tratados, mas também uma visão de uma Europa a duas velocidades, ou melhor, de uma Europa a várias velocidades, que seria irrecusável para os britânicos.
Ambos são ministros da Economia, mas as semelhanças ficam por aí. Macron, autor de uma proposta controversa de liberalização/desregulamentação do mercado de trabalho em França (dez anos depois dos alemães), esteve contra as ordens profissionais e trabalhou no Banco Rothschild, não sendo ainda um membro do Partido Socialista. Gabriel, quase 20 anos mais velho, é um ex-professor, que tem sido um membro fiel do SPD, e quadro da CDU desde a sua juventude, e que se tornou vice-chanceler no terceiro governo da chanceler Merkel – a segunda grande coligação com os social-democratas. A economia alemã é, apesar de algumas críticas, próspera; a economia francesa, mesmo com um surto recente de crescimento, está de rastos. O governo alemão está coeso, incluindo na estratégia para a Europa; por seu lado, o governo francês é fraco, dividido, impopular, está em pior estado que o trágico primeiro governo Mitterrand do início de 1980.
No entanto, esta parceria improvável produziu uma variante do “European New Deal”, que contém vários temas bem trabalhados. As reformas “estruturais” são acompanhadas por reformas “institucionais” ou de governança, e estas são, fundamentalmente, submetidas a medidas para reduzir o cada vez maior défice democrático da UE. Por outras palavras, ao invés de optar por “menos” Europa, como os Conservadores britânicos e alguns partidos da direita populista, Gabriel e Macron defendem mais integração – particularmente para a Zona Euro, como o núcleo da UE.
Assim, com base na expansão das ideias apresentadas por cinco economistas da Alemanha (Sachverständigenrat et al), defendem:
(1) Um embrião de Tesouro (Ministério das Finanças) da Zona Euro, supervisionado por um Sr./Sra Euro;
(2) Um incipiente (e modesto) orçamento da UE, financiado por um imposto sobre transacções financeiras e parte do imposto harmonizado sobre as sociedades;
(3) Responsabilidades conjuntas pela dívida pública (mais soft que o rígido esquema de mutualização);
(4) O ESM (Mecanismo Europeu de Estabilidade) convertido num Fundo Monetário Europeu e;
(5) A criação de uma subcâmara do Eurogrupo, com mais poderes que os do Parlamento Europeu, para monitorizar e controlar os novos e poderosos poderes executivos (Six-Pack, Two-Pack, Semestre), entregues inexplicavelmente (sem qualquer legitimidade jurídica e democrática) ao comissário dos Assuntos Económicos e Monetários (agora Valdis Dombrakis) e ao Eurogrupo.
Os autores chamam a esta iniciativa o “lançamento de uma União Económica e Social” com o mínimo de padrões sociais (não definidos), salários consistentes (e não de sobrevivência) e alguns impostos harmonizados sobre as empresas (não especificados).
Para os críticos mais à esquerda, ausente da proposta está o regime de seguro/subsídio de desemprego europeu ou da Zona Euro, que alguns consideram como um elemento essencial de uma União Económica e Monetária renovada, dado os níveis de desemprego, especialmente entre os jovens. Também ausente da proposta está um programa sério para investimento, como alternativa à fixação de limites e controlos do défice e, sobretudo, uma crítica sustentada às políticas neoliberais de austeridade (alles über), responsáveis pela crise actual na Europa.
Mesmo assim, é notável que os dois governantes tenham produzido e aprovado tais ideias de abertura, que pareciam arredadas do eixo franco-alemão. É ainda mais notável dado que Gabriel, por exemplo, dificilmente pode ser considerado um radical dentro dos dois governos de coligação a que pertenceu e, na verdade, tem sido um defensor de uma maior austeridade relativamente à Grécia e Portugal. Macron, por seu lado, ainda é um novo membro, não testado, de um governo conhecido pela sua inconsistência e incoerência.
Se os dois ficam aquém de produzir um modelo para a União Fiscal e Política, como Passos Coelho prometeu defender no próximo Conselho Europeu, o certo é que adoptam uma visão mais federalista para a nova arquitectura da União Europeia, interrompendo o ciclo de austeridade e nacionalista dos últimos cinco anos. “Precisamos de uma União mais simples e mais eficiente, com mais subsidiariedade e uma governança simplificada”, defendem. “Uma União de solidariedade e de diferenciação” – que reforçará o papel dos parlamentares nacionais da Zona Euro, mas que não responde ao problema político que cria: o que fazer com os nove membros da UE que não estão no euro?
Aqui, e Macron está especialmente interessado nisso, falam de uma Europa a duas velocidades ou, até mesmo, a várias velocidades (“geometria variável”). Onde caberiam britânicos e gregos, seja qual for o resultado das renegociações, pretendidas por David Cameron, dos termos de adesão do Reino Unido à UE. Como Helmut Kohl disse, há 25 anos: o navio mais lento do comboio não pode determinar a velocidade do resto. Porém, esse navio pode revelar-se indispensável, quando se trata de manobras (políticas) específicas…