A linha que, no seio dos serviços de informação e da Magistratura do Ministério Público e Judicial, defendia que, através do confronto entre Cavaco Silva e José Sócrates, era possível regenerar o Regime e evitar uma deriva populista e nacionalista em Portugal, e que tinha, de algum modo, sido protagonizada pela nova Procuradora Geral da República, Joana Marques Vidal, parece definitivamente ter perdido força e terá sido completamente afastada.
Este confronto basicamente traduziu-se no acentuar da pressão sobre o Partido Socialista e sobre a ala cavaquista do PSD e consubstanciou–se nas investigações do Ministério Público a José Sócrates e outros socialistas, que levaram à prisão de algumas figuras ligadas ao antigo primeiro-ministro e ao carreamento de provas no sentido de o responsabilizar por um alegado enriquecimento ilegítimo.
Esta investigação, a ser continuada, poderia evoluir para ex-governantes beneficiários da ajudas de José Sócrates, como Pedro Silva Pereira ou Luís Amado, a par do envolvimento alegado de ex-responsáveis pelas Obras Públicas e pelas Parcerias Público-Privadas no último governo socialista, ou para a área do financiamento do Partido Socialista, incomodando eventualmente antigos responsáveis da Galp, ou as cooperativas da zona de Santarém e conhecidos homens do aparelho, como Jorge Coelho.
Do lado cavaquista, a pressão seria exercida sobretudo sobre o caso BPN, acelerando alguns julgamentos, mas sobretudo, envolvendo figuras protegidas por grupos de interesses, como Dias Loureiro ou ligados à inteligence. A evolução na área do SEF e nos Registos fez parte dessa ofensiva que deveria evoluir no sentido de atacar directamente o Presidente da República, com a venda das acções ao BPN, e o primeiro-ministro Passos Coelho relativamente ao seu percurso profissional nos anos antes de assumir a liderança do PSD. O ataque a Passos Coelho era instrumental nesta briga e visaria sobretudo desgastar o Presidente da República.
Mas esta estratégia parece agora definitivamente afastada. Os processos iniciados seguirão o seu curso dentro da normalidade sem outro envolvimento político, podendo mesmo virem a prescrever ou serem arquivados.
A razão do abandono desta tese tem que ver principalmente com três factos:
(1) O ataque a José Sócrates efectivamente não destruiu o Partido Socialista, como aconteceu no resto da Europa, repetindo em Portugal, com o PS, o mesmo que aconteceu com o PCP; isto demonstra a resiliência do nosso sistema partidário e, por outro lado, o conservadorismo do voto fiel dos partidos políticos;
(2) O neo-populismo, pilotado por alguns sectores militares, de Marinho Pinto, não vingou e pode mesmo vir a ter um resultado miserável nas legislativas; e
(3) O descrédito acentuado do Presidente da República, que se tornou irrelevante em qualquer solução futura.
Como é que as coisas evoluirão agora do ponto de vista dos processos? Vamos ter provavelmente um Verão ainda quente, pois a conflitualidade judicial não pode acabar de um momento para o outro, mas os visados serão sobretudo figuras menores, como por exemplo Marco António Costa (vice-presidente do PSD, envolvido no alegado caso dos favores na Câmara Municipal de Gaia), ou José Luís Arnaut e António Pires de Lima (eventualmente no alegado caso de inside trading no caso BES), ou ainda João Rebelo (no alegado caso das contrapartidas na compra dos carros de combate Pandur), Duarte Lima (com a extradição para o Brasil) ou os casos financeiros sem envolvente política (como o BPP e BPN).
Casos como estes (que indicamos a título de exemplo) agitarão por exemplo alguns sectores e interesses tradicionais em Lisboa ou do Norte, ligados a Rui Rio, ou áreas do PSD, e do barrosismo, mas dificilmente terão efeito na vida político-partidária e económica do País.
Na banca, em particular, espera-se um Verão quente, com figuras com nenhuma relevância política, como os ex-administradores do BPN ou da Finantia. Quanto a Ricardo Salgado e à restante administração do BES, o processo fica a depender da privatização e das suas dificuldades, mas também da evolução que o processo tiver no Luxemburgo e na Suíça.
Na área do PS, ainda que se admita que José Sócrates possa sair da prisão ainda antes do Verão (prejudicando António Costa), já ninguém é peremptório a afirmar que o antigo primeiro-ministro ficará 20 anos na cadeia e não sairá mais, embora aparentemente um moroso processo judicial o afaste de qualquer possibilidade de regresso à política na próxima década.