Saber se as próximas eleições legislativas vão ser as últimas do ciclo do actual sistema partidário, ou se com elas se iniciará a fragmentação do sistema partidário, é a questão de um milhão de dólares sobre a governabilidade em Portugal. Os resultados em Espanha mostram uma tendência europeia, ainda que por razões diversas, que já se tinha verificado nas eleições gerais gregas e no Reino Unido.
Espanha realizou eleições regionais e locais no passado domingo, 24 de maio.
Os resultados dessas eleições têm certamente um significado para a Espanha, antes das próximas eleições gerais, em Novembro, e para a liderança da Catalunha, antes da realização das eleições regionais, em Setembro, podendo constituir, neste último caso, um voto de facto sobre a independência.
A capacidade dos partidos – novos e antigos – responderem às novas circunstâncias na política espanhola irá determinar se o sistema de dois partidos tradicionais do país vizinho terá acabado definitivamente. Mas também terão significado e efeito certamente para Portugal, com as legislativas entaladas entre a possibilidade de regresso dos independentistas na Catalunha, em Setembro, e a manutenção de Rajoy, em Madrid, nas eleições legislativas espanhóis de Novembro.
Sinais que o sistema de dois partidos da Espanha chegou ao fim existem desde as eleições europeias de 2014, quando os dois maiores partidos espanhóis – o Partido Popular (PP) e Partido Socialista Obrero Español (PSOE) -, tiveram uma votação somada abaixo de 50%, pela primeira vez desde as primeiras eleições democráticas, em 1977, com o avanço eleitoral do Podemos, um partido anti-austeridade. Novos partidos políticos e alianças eleitorais mobilizaram os eleitores completamente desiludidos com soluções inadequadas para resolver a crise económica da Espanha e a sua implicação na crise institucional do país também, como em Portugal muito marcada pelo resultado de escândalos de corrupção generalizada.
Os resultados das eleições locais em Barcelona ilustram por seu lado muitos dos padrões eleitorais inconstantes, que são evidentes por toda a Espanha, com a complicação adicional de que a política eleitoral espanhola também é moldada por um terceiro factor: a crise territorial da Espanha. Esta campanha dividiu aqueles que queriam falar sobre as desigualdades sociais e a corrupção, contra aqueles que preferiram centrar-se na independência catalã. E os primeiros ganharam claramente.
Uma reflexão que está a ser feita também em Portugal: as pessoas não querem falar do sistema político nem do regime, nem da vacuidade das propostas económicas, mas estão a olhar para o seu bolso, para as desigualdades, para a insensibilidade e a arrogância do poder e dos partidos políticos tradicionais.
No final, Barcelona en Comu, uma aliança de partidos de esquerda e organizações da sociedade civil, lideradas por Ada Colau, substituiu o Convergencia i Unión nacionalista (CiU) como o maior partido, na Câmara Municipal de Barcelona. Barcelona en Comu pretende “retomar a cidade para o seu povo”. Entre as suas prioridades estão controlos mais rígidos sobre os empréstimos hipotecários, transformação do sistema de transportes da Catalunha, investimento em creches públicas, uma melhor gestão da indústria turística de Barcelona, e uma maior transparência nas Finanças Públicas.
Mas a euforia da noite da eleição vai rapidamente ter de dar lugar à realidade de estar no governo. Os 11 lugares do Barcelona en Comu não lhe dão a maioria absoluta que precisava para governar sozinho. Esta não é uma nova ocorrência na história do governo local em Barcelona; nenhum partido tem desfrutado de uma maioria no poder no Conselho, desde 1979. Mas desta vez, o desafio de governar é sem dúvida muito maior: a distribuição dos lugares entre os outros seis partidos representados no Conselho significa que, para garantir essa maioria, é provável que seja necessário negociar com três ou quatro partidos diferentes. A própria gestão da coligação de Colau é um teste que marcará a sua governação, que será critica nas eleições regionais da Catalunha, marcadas para 27 de Setembro de 2015, e que foram consideradas como um referendo de facto em relação à independência da Catalunha.
No início do ano, o CDC, Esquerda Republicana de Catalunya (ERC) e outras organizações da sociedade civil concordaram formalmente que a eleição de uma maioria pró-independência para o Parlamento catalão nessa data provocaria a criação de um estado independente em 18 meses. Vistos no contexto deste plano estratégico maior, a perda de controlo do governo local de Barcelona pela CiU é um golpe (embora na Catalunha como um todo, o voto de partidos independentistas tenha aumentado ligeiramente).
A ameaça mais imediata às ambições pró-independência do CDC vem das alianças que terão de ser formadas nos diversos níveis. Com o resultado de Barcelona tudo pode mudar e pode mesmo condicionar o voto em Portugal, apesar do pouco tempo que, em Portugal e Espanha, os partidos e os governantes, ou aqueles que lutam para chegar ao governo, têm para se adaptar ao novo cenário político.
Com as eleições regionais da Catalunha, em Setembro, e as eleições gerais em Portugal, na primeira semana de Outubro, e em Espanha, durante o mês de Novembro, a capacidade dos partidos para responder às mudanças das circunstâncias ditará se a Era do sistema de dois grandes partidos de Portugal e de Espanha pode, ou não, ter definitivamente acabado.
O que se passa em Espanha tem influenciado a política portuguesa, sobretudo na terceira República. Parece por isso evidente que se Passos Coelho e António Costa conseguirem aguentar os seus partidos e evitar a fragmentação do sistema partidário nas legislativas, as presidenciais de Janeiro de 2016 serão as primeiras eleições do novo ciclo político em Portugal, marcando a viragem que já se sente por toda a Europa, e em particular na Europa do Sul.