A ministra das Finanças já admitiu que os riscos da litigância poderão ter de ficar com o futuro dono do Novo Banco, embora o Banco de Portugal continue a afastar esse cenário, pois ninguém acredita que algum interessado avance, se além do valor de compra tiver de assumir riscos futuros, além do mais de um montante ainda não fixado.
A “monumental litigância”, como se lhe referiu recentemente o advogado António Lobo Xavier, “afastará os candidatos mais sensatos e credíveis”. Sem a proteção contra futuros processos judiciais, “o preço do Novo Banco cairá a pique e na corrida ficarão candidatos desesperados, que aceitem um risco de litigância que perdurará por 10 ou 15 anos”. Lobo Xavier, administrador do BPI, admitiu que, no final, os custos da litigância ficarão a cargo do Sistema bancário.
Certo é que a privatização do Novo Banco está envolvida num verdadeiro imbróglio jurídico, que vai atrasar todo o processo. O objectivo de fechar a privatização até ao final do primeiro semestre está afastado e o Governo aposta agora em pelo menos conseguir anunciar o futuro dono e assinar o contrato até 30 de Junho.
O principal problema prende-se com a garantia de que o dono do Novo Banco não herdará a litigância futura, cujo risco ainda não pode ainda ser calculado com exactidão uma vez que ainda nenhum dos processos transitou em julgado.
Inicialmente o Governo terá proposto que toda a litigância relacionada com a resolução do antigo BES, incluindo a que incide sobre o Novo Banco, fosse assumida pelo BES (o chamado Banco Mau). Esta solução libertaria os donos do Novo Banco de quaisquer responsabilidades futuras decorrentes de processos. Além da forte oposição dos antigos accionistas do BES, incluindo os fundos internacionais que estão em litígio com o Novo Banco e o Banco de Portugal, a solução esbarra no problema de que a litigância não se transfere por decreto. Ou seja, os processos contra o Novo Banco só poderão ser resolvidos depois de uma decisão nos tribunais e só poderão ser considerados definitivamente resolvidos depois de cada um dele ter transitado em julgado Até lá, a litigância do Novo Banco mantém-se com o Novo Banco e o BES (Banco Mau) não poderá responder por ela. Até porque não disporia dos meios nem dos activos para isso.
A solução poderia então passar por uma garantia do Estado, que chegou a ser avançada como certa. A garantia do Estado levanta no entanto duas questões:
- É uma responsabilidade assumida pelo Estado e, por isso, terá de ter cabimento e ser contabilizada no Orçamento de Estado, afectando o défice. O Eurostat, o organismo estatístico da União Europeia que valida o cálculo dos défices dos Estados-membros, já avisou Lisboa que a venda do Novo Banco abaixo do valor investido pelo Fundo de Resolução poderá reflectir-se num aumento do défice público. O Estado participou com 4900 milhões de euros na capitalização do Novo Banco, mas registou esse valor como transacção financeira. Uma solução será distribuir os custos com a resolução do BES ao longo do tempo, à medida que revelação da informação financeira materialmente relevante, que é como quem diz dos custos de litigância, forem sendo apurados. A garantia directa do Estado será assim de difícil aprovação em Bruxelas, numa altura em que Portugal está ainda com um défice excessivo, acima dos 3,0% do PIB;
- Sendo um apoio público, não passaria pelo crivo da Direcção-Geral de Concorrência da Comissão Europeia. Tanto mais que na opinião de Bruxelas há neste momento um excesso de oferta no mercado bancário europeu e a falência de pequenos bancos de países periféricos e que não representem um risco sistémico para o sistema bancário europeu (como são os casos do Novo Banco ou do Banif, em Portugal), será até vista com bons olhos.
Afastada a hipótese de uma garantia directa do Estado, a solução poderia ser a garantia pelo Fundo de Resolução, que ficou com o Novo Banco. Mas esta solução tem a firme oposição dos bancos que participam no Fundo. Não só porque representaria o assumir de novos riscos, mas também porque a responsabilidade pela garantia teria, em última análise, de ser assumida por cada um dos bancos, nas proporções da sua participação no Fundo. O que afectaria resultados e rácios de capital, num momento em que já uma grande pressão para que eles cumpram os rácios mínimos fixados pelo supervisor.
Acresce que o maior dos bancos do Fundo de Resolução, com uma posição de cerca de 25%, é a CGD. Sendo um banco público, a garantia do Fundo levantaria a questão do apoio estatal ao Novo Banco e seria vetada pela DGC, em Bruxelas.