Bipolarização e novos protagonistas

A bipolarização e a dramatização do discurso diferenciador são as duas maiores características de uma campanha para as legislativas, em que instituições exógenas vão ser usadas para legitimar discursos económicos aparentemente diferentes. O FMI e o Conselho das Finanças Públicas entraram diretamente na campanha eleitoral defendendo a coligação.

A criação de uma fractura artificial entre o discurso do governo e o da oposição está a marcar o arranque da campanha eleitoral para as legislativas de Outubro. O secretário-geral do PS considerou, na segunda-feira, essencial a existência de uma “maioria clara” do seu partido nas próximas eleições, para contrariar “a obsessão” pela austeridade e a linha de recomendações preconizada pelo Fundo Monetário Internacional (FMI).

Entre outras recomendações, o FMI defende a necessidade de Portugal indexar as pensões à evolução da economia, propondo também que se volte a suspender as reformas antecipadas e que sejam aumentadas as contribuições para a Caixa Geral de Aposentações (CGA).

“As recomendações [do FMI] vão no sentido oposto àquilo que nós propomos e nós faremos uma política contrária que permita alcançar os bons resultados que o país precisa, porque a prossecução das políticas de austeridade, que este Governo quer prosseguir, só tem dado maus resultados”, declarou António Costa.

Por seu lado, no rescaldo da proposta do PSD para que o Conselho das Finanças Publicas – órgão concorrente do Tribunal de Contas inventado por Passos , no âmbito do Parlamento, para dar pareceres ao Executivo – avaliasse o programa dos economistas do PS (o que violava os seus estatutos), em declarações públicas, Teodora Cardoso, responsável pelo Conselho de Finanças Públicas, afirmou que «as medidas de estímulo à procura interna não são a solução para os problemas do País. Estão, aliás, na base dos problemas do País».

Em particular, Teodora refere que «simples políticas de estímulo à procura, avaliadas estritamente pelo seu impacto de curto prazo, já demonstraram a sua ineficácia: não só não garantiram o crescimento da produtividade e a competitividade da economia, como, ao aumentarem o peso do endividamento, público e privado, comprometeram o seu crescimento». E reforça: «foi por ter levado longe demais o estímulo orçamental à procura que Portugal perdeu competitividade e capacidade autónoma de financiamento da dívida».

Embora o CFP não contemple nos seus estatutos a análise de cenários macroeconómicos de partidos políticos, tal como o do PS, Teodora Cardoso acabou de o fazer indirectamente.

Teodora Cardoso não respondeu, porém, ao facto da revisão do PS do Programa de Estabilidade e Crescimento – apresentado no âmbito do semestre europeu em Bruxelas – contemplar, com o aumento da procura interna, a possibilidade de empregar desempregados pouco qualificados da construção civil, que jamais conseguiriam emprego se os únicos incentivos ao crescimento e emprego viessem apenas das exportações. Os economistas do PS propuseram nomeadamente um programa de recuperação urbana, que dará emprego aos mais de 120.000 desempregados da construção civil e que terá como externalidade a valorização do património turístico das cidades e da qualidade de vida.

Recorde-se que embora os tratados da União Europeia o não prevejam, pois a Comissão Europeia não tem competências em matéria fiscal e orçamental, os Estados-membros decidiram, em Conselho Europeu, que as recomendações da Comissão europeia feitas no âmbito do Semestre Europeu, só poderiam ser revistas posteriormente  por uma maioria superior a 70 % dos 28 Estados. Na prática significa que mesmo que o PS ganhe as eleições não poderá rever o PEC para 2016 negociado por Maria Luís Albuquerque em Bruxelas e que Portugal está obrigado a cumprir as recomendações da CE (consultar em

http://ec.europa.eu/europe2020/pdf/csr2015/csr2015_portugal_en.pdf)

Mas nesta interacção entre política e economia no debate da pré-campanha , foi também o FMI, beneficiando indirectamente o PS, que denunciou que as taxas de juro da dívida portuguesa dependem apenas de factores externos e não da ação do Programa de Estabilização Económica e Financeira da Troika, ou da evolução dos fundamentais da economia portuguesa.

Com efeito, apesar da melhoria dos fundamentais, outros factores parecem ter assumido o lugar de destaque na descida dos spreads da dívida, diz  o Fundo Monetário Internacional (FMI). “Olhando para a média dos ‘ratings’ das três agências, o spread “caiu de forma mais expressiva” do que o implícito na avaliação das agências de notação financeira. “Enquanto a média dos ‘ratings’ dos países melhorou de forma modesta, Portugal deveria ter de ter um ‘rating’ substancialmente mais elevado para ter merecido o atual diferencial”.

“Os indicadores económicos para Portugal, tais como a taxa de desemprego, o crescimento do PIB, a dívida pública e a balança da conta corrente dão força à mesma conclusão”, diz o FMI, salientando que “factores globais têm sido o principal factor na descida dos spreads” da dívida do país.

Perante esta conclusão, o FMI considera que “os spreads da dívida portuguesa são sensíveis às mudanças no sentimento do mercado”. Por isso, “à medida que os factores globais normalizarem, as yields irão, provavelmente, apresentar uma tendência de subida. (…)A avaliação do Mercado será mais sensível aos dados fundamentais [da economia nacional] e o custo da dívida irá aumentar”, conclui o FMI.

Entretanto a dramatização do caso grego, que já enfrenta juros de mais de 25%, com a expectativa do ruptura dos bancos gregos – que já não têm colaterais para garantir os financiamentos do BCE – acaba por beneficiar a estratégia de Passos Coelho e as opções do governo da coligação e prejuízo das promessas eleitorais do PS.

A tendência da campanha é para uma progressiva radicalização do discurso político no sentido da bipolarização o que pode prejudicar gravemente as ambições dos pequenos partidos e impedir a fragmentação que se tem verificado um pouco por toda a Europa. Nesse sentido as próximas legislativas em Portugal serão ainda uma eleição do actual ciclo político valorizando os partidos tradicionais institucionalizados na sequência do 25-A.